Essa minha lista fica maior a
cada ano. Mas quem se importa, não é mesmo? Abaixo seguem as músicas que eu
mais gostei neste ano que passou (e como passou rápido). Como de praxe: a
maioria é heavy metal, mas não é via de regra, pois não é só de metal que vive
o homem.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
quarta-feira, 2 de julho de 2014
The Leftovers - Tom Perrotta
É
difícil escrever sobre pessoas. Eu honestamente acho que é muito mais simples
você descrever uma batalha entre dois exércitos gigantescos, cheia dos mínimos
detalhes técnicos, com voltas e reviravoltas surpreendentes. Pessoas são um
assunto mais difícil de se lidar. Pessoas são profundas, imprevisíveis e com
medos e angústias difíceis de serem lidas a distância. Captar as
idiossincrasias da vida cotidiana é uma habilidade invejável, onde os pequenos
detalhes irrelevantes significam mais que grandes realizações ou feitos heróicos.
Em
The Leftovers, Tom Perrotta mostra que sabe muito bem escrever sobre pessoas. Eu
vi um trailer da série da HBO baseada nesse livro, e senti uma pontada meio
incontrolável de lê-lo. E li em inglês mesmo, num e-book catado na internet. Logo
de cara deu pra notar que as duas histórias (a do livro e a da série) são como
gêmeos bivitelinos: vem da mesma fonte, se parecem um pouco, mas
definitivamente não são a mesma coisa.
O
livro é uma meditação, ou reflexão, se preferir chamar assim, sobre perdas,
mortes, abandonos, luto e rancor. E talvez várias outras coisas, que outros
olhares com outras experiências e sensibilidades possam observar.
Um
cenário pacato. Com pessoas comuns, vivendo vidas comuns. Sem nada de realmente
extraordinário. Até que em um 14 de Outubro milhares de pessoas simplesmente
desaparecem, sem a menor pista de onde possa ter ido parar. A partir disso o
autor traça a trajetória da vários personagens, mostrando as diferentes formas
como esses personagens lidaram com esse acontecimento bizarro e sem explicação.
Por isso, é o tipo de história que eu gosto, pelo simples motivo de levantar
uma questão muito importante: se algo assim acontecesse, como você reagiria?
Os
personagens reagem com o as pessoas normais e comuns, como eu e você, regariam.
Cada uma de uma forma diferente, variando pelas experiências que cada uma delas
já teve na vida. Homens e mulheres de meia idade, adolescentes, universitários.
Todos tentando compreender, buscando um sentido, algo que faça suas vidas valer
a pena. E isso tudo por meio de situações tão banais que beiram o clichê, mas
que você compreende e sente a veracidade porque simplesmente você muito bem
poderia acabar fazendo a mesma coisa. Soa natural, orgânico.
Alguém
possa talvez argumentar que todos os personagens são brancos, de classe média e
alta, que vivem em subúrbio e não enfrentam os verdadeiros dilemas e crueldades
da vida. Bom, esse seria um argumento realmente válido se a proposta do livro
fosse falar a respeito dos verdadeiros dilemas e crueldades da vida. É algo
diferente disso, algo de certa forma etéreo, que fragilmente escapa da nossa
percepção mais imediata. Uma metáfora, talvez? Não sei se o termo seria o certo
a se aplicar, mas acho que não estaria errado por completo. Até porque não
seria um absurdo metaforizar o conceito de vida comum e pacata abruptamente
virada do avesso por um fenômeno inexplicável através da figura do Sonho
Americano: uma vida tranquila e confortável em um subúrbio, ou uma cidade
pequena, com uma casa grande, jardim, carro do ano na garagem, casamento,
filhos, cachorro, gato e reuniões de família para celebrar essa boa vida
americana. E por aí vai.
Nisso
então se agregam os dramas por trás do sonho. As mentiras, as traições, as
vaidades. Os segredos sujos. O falso moralismo e as vidas vividas em ilusão. É
um mundo novo, que tem a mesma cara de antes, mas diferente. Pode-se sentir no
ar a tensão entre as pessoas. Entre aqueles que tentam trazer a vida de volta à
normalidade e os que acreditam que o evento jamais deve ser esquecido, e que a
vida jamais será a mesma de novo. São dilemas que flutuam entre interesses de
grupos e as mortificações pessoais, por culpa, remorso e saudade.
Grupos,
seitas e cultos brotam de todos os lados. Oferecendo conforto, sentido e
redenção. Ou a constante lembrança, uma teimosa lembrança. Uns por puro
charlatanismo, outros com sinceridade. E outros que no meio do caminho acabam
fundindo uma coisa com a outra. Essa parte da historia me deixou muito
satisfeito, porque mostra de uma maneira muito convincente a forma como a
moralidade religiosa e seus princípios é algo inerente da cultura americana. A
religião é colocada completamente a frente da ciência na busca por respostas.
Se debate se foi o Arrebatamento bíblico ou não, se Jesus estaria logo
voltando, se isso seria um sinal de Deus, um castigo, uma punição. Pessoas se
desesperam tentando descobrir a razão de não terem sido “escolhidas”, por que
este ou aquele sujeito foi mesmo sendo uma pessoa ruim, cheia de segredos
sórdidos e muita sujeira por de baixo do tapete persa de sua grande e
confortável sala de estar.
Uma
boa representação do espírito americano. Ou mesmo do mundo todo. O qual sempre
se põe por cima dos outros, apontando dedos e nunca olhando os espelhos grandes
e de molduras bonitas dos seus quartos e banheiros.
Eu
realmente gostei bastante desse livro. É bem provável que muita gente se
decepcione, porque é um livro de bem pouca ação, onde a grandeza reside na
banalidade das pequenas coisas, das pequenas revelações que surgem durante
alguma obrigação tediosa. Talvez se decepcionem com o final, que parece abrupto
e meio sem sentido, mas que parando pra pensar, faz sim todo o sentido. Enfim,
uma leitura tocante em alguns momentos, divertida e engraçada em outros, que
flui muitíssimo bem (li em menos de uma semana), e que se você estando disposto
a dar uma boa olhada no cerne de famílias e pessoas da classe média americana,
seus sonhos destruídos, rancores constantemente alimentados e utopias
descabidas, The Leftovers é uma excelente pedida.
PS: Vi o primeiro episódio da
série. Gostei, mas ainda não completamente. Como eu disse no texto, é uma
história parecida, mas diferente. Enquanto que o livro leva em conta
primariamente as pessoas e suas naturezas, a série acrescenta a isso o mistério
por trás do desaparecimento repentino. Pode dar muito certo. Ou ser um tremendo
e retumbante fracasso. É esperar pra descobrir.
sábado, 25 de janeiro de 2014
Um prólogo
Seguinte: quero divulgar por aqui o prólogo de um projeto no qual eu venho trabalhando faz alguns anos. É um prólogo que "existe" a bem menos tempos que o resto da história, que nasceu de um jeito, cresceu de outro e se retorceu em alguma coisa ainda, mas de certa forma dá o tom do que vem depois.
Caso você aí tiver paciência de ir até o fim, seria legal dar um feedback. Se gostou, se achou um lixo, o que poderia ser melhorado, se pensa que eu devo plantar tomate pro resto da minha ou etc's e tais.
Obrigado :)
Caso você aí tiver paciência de ir até o fim, seria legal dar um feedback. Se gostou, se achou um lixo, o que poderia ser melhorado, se pensa que eu devo plantar tomate pro resto da minha ou etc's e tais.
Obrigado :)
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
A Morte da Luz - George RR Martin
Mesmo
em um estilo bem distinto da obra que o consagrou definitivamente como ícone
mais tarde, este A Morte da Luz já demonstra toda a capacidade literária de
George. Ele é um escritor muito talentoso, não apenas no que diz respeito à
criatividade em desenvolver tramas envolventes, mas muito mais até em construir
personagens convincentes, reais e que mexam com os sentimentos do leitor.
Personagens humanos, com falhas e defeitos, como também virtudes, além de
dramas e desafios pessoais que poderiam acontecer com qualquer pessoa, em
qualquer tempo e em qualquer lugar. Causando assim identificação e simpatia, ou
justamente o contrário, causando repulsa e raiva. Aí que reside a qualidade de
um grande escritor: conseguir mexer com quem lê seu trabalho. E A Morte da Luz
tem tudo isso.
A
trama do livro se passa em Worlorn, um planeta moribundo, sem órbita e que
caminha lentamente para o frio e a escuridão. É uma época muito distante no
futuro, onde a humanidade se espalhou até os limites da galáxia, colonizando
novos mundos e assim surgindo novas civilizações humanas. No limite da galáxia,
Worlorn passou perto de uma super estrela vermelha, que permitiu o planeta ser
habitável por alguns anos, dessa forma os planetas daquela região se uniram e
usaram Worlorn para um grande festival. Foram anos prósperos e de alegria,
porém a marcha do planeta continuou e ele foi se afastando da grande estrela
vermelha, mergulhando em um desolador crepúsculo, com a noite eterna a caminho.
Então, não tardou em o planeta ser abandonado.
Esse
é o plano de fundo para a perigosa e mortal aventura de Dirk t’Larien, que ao
receber uma jóia sussurrante que supôs que nunca mais veria, acaba parando em
Worlorn, para atender o chamado de sua amada do passado.
Mas
o que ele encontra é um planeta agonizante e uma mulher que já não mais era a
mesma que conhecera tantos anos antes, ligada a um homem de uma cultura
estranha e que muitos chamam de bárbaro e selvagem. A partir disso se desenrola
uma trama tensa, de mentiras e traições, sentimentos e lembranças, honra e
vileza, em um mundo perdido que não conhece leis nem códigos, brutal, onde
quando você não é o caçador acaba sendo a caça, e a morte é uma sombra
constante e ameaçadora.
Nesse
livro Martin cria um universo tão rico e detalhado quanto na sua canção de gelo
e fogo, com história e forma coerentes, povos e culturas originais, e uma
concepção de tecnologia futurista totalmente lúcida e sem exageros. Ou seja, é
como de praxe em suas obras: realismo e coerência antes de tudo.
Como
eu comentei antes, Martin vai além dessa competência criativa, pois se lermos
com olhos cuidadosos conseguiremos extrair o que ele quis dizer com essa
história. O choque de culturas descrito é de certa forma uma metáfora
pertinente sobre o mundo contemporâneo, onde os povos sempre querem impor sua
cultura sobre as demais, as quais consideram erradas sem nem mesmo
compreende-las completamente. Sobre o preconceito. Sobre violência. Sobre o que
é certo e o que é errado. Sobre promessas e decepções. Sobre a forma como as
quais às vezes idealizamos as pessoas como elas não são. Enfim, eu não gosto de
usar a expressão “lição de moral”, até porque não tem nada a ver com isso. Eu
entendo que essas metáforas e paralelos são uma forma inteligente de dar corpo
e solidez a uma história. E nisso, Martin é mestre.
Entre
uma galeria não muito numerosa de personagens, o que eu gostaria mesmo de
destacar é o planeta Worlorn e suas catorze cidades do Festival. Eu achei
simplesmente fantástica a ideia desse planeta, morrendo aos poucos, onde o dia
não passa de um longo crepúsculo, repleto de ruínas de grandes cidades que
teimam em manter alguma vida moribunda. Dentre as cidades, em especial Kryne
Lamiya e sua música niilista desesperadora. Genial!
Por
fim, um livro e tanto, com o selo de qualidade George RR Martin. Muito menor
que seus primos distantes de Westeros, mas que mesmo assim consegue ser tão
profundo e tocante quanto eles. Uma história tensa, envolvente e cheia de
reviravoltas, em um cenário que permanecerá por muito tempo na lembrança dos
leitores.
Publicado originalmente em 1977
com o título “Dying of the Light”.
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
O Cemitério de Praga - Umberto Eco
O
livro conta a história do Capitão Simoni Simonini, um idoso italiano radicado
em Paris, falsário brilhante com forte veia de escritor e que envolve-se nos
mais importantes acontecimentos políticos e sociais do século XIX. A escrita
sempre pouca usual de Eco, aqui recheada de uma ironia sensacional, flui de
maneira fácil e instigante. Sob forma de um diálogo surpreendente através de um
diário, duas pessoas que nem mesmo se conhecem rememoram os fatos de uma longa
vida repleta de aventuras que se desenrolam de maneira reveladora tanto para o
leitor como para os próprios personagens da história.
Além
dos cenários históricos mostrados, talvez o grande ideal do livro seja
denunciar a completamente absurda gama de preconceitos étnicos e religiosos que
permeavam os círculos intelectuais da Europa no século XIX. Histórias populares
e outras inventadas para incitar o ódio que foram se reciclando em dezenas e
dezenas de outras obras acabaram por se tornar toda uma literatura e um negócio
rentável, seja com disparates infundados sobre judeus, maçons ou delirantes
devaneios sobre satanismo. E é aí que entra a genial ironia de Eco, mostrando
tudo isso pelos olhos de um anti-semita covicto, que não titubeia em inventar
seja o que for para justificar suas crenças que fundo talvez não compreenda.
E
uma dessas invenções é o cemitério que dá título ao livro. Entre todas as
falcatruas de espionagem e contra-espionagem, todo o pano de fundo da história
é a construção da cena no cemitério onde rabinos líderes das doze tribos de
Israel tramam um tenebroso complô para dominar o mundo. Que chega a ser hilário
para quem tem tino de compreender a ironia, porém muito realista e assustador para
mentes preconceituosas e de certa forma paranóicas.
“O
Cemitério de Praga” é um romance histórico, isto porque praticamente tudo o que
é descrito no livro de fato aconteceu, sendo o próprio protagonista o único
personagem inventado (mesmo que, segundo ele próprio, basta falar de alguma
coisa para que esta exista). Mas mesmo assim, os feitos notáveis atribuídos a
este ser ficcional também aconteceram, e mesmo que por mãos de outras pessoas,
ilustres desconhecidos que ganharam vida pela habilidade literária deste grande
mestre da literatura contemporânea.
Aliás,
também é interessante citar que o livro anda fazendo barulho entre certos
grupos religiosos. O Vaticano criticou o livro por falhar em sua missão de
denunciar o anti-semitismo, criando o efeito oposto, incitando esse sentimento
nos leitores. Um rabino romano comentou que esta não era uma obra científica
que analisa um fenômeno e por isso não teria qualquer validade. Sobre essas
falas pouco receptivas sobre sua obra, Eco respondeu o seguinte: “Quem escreve
um manual de química também pode ser acusado, se alguém o usar para envenenar a
avó”.
Eu,
pessoalmente, fico ao lado de Eco, pois acredito que um autor não pode ser
acusado se alguns de seus leitores não tiverem capacidade de discernir o que é
discurso sério e o que é apenas ironia. E não é a primeira vez que ele é
acusado pela igreja, trinta anos atrás o vaticano ficou enfurecido com o
clássico “O Nome da Rosa” (que, aliás, é um dos meus livros favoritos de todos
os tempos, recomendo também).
De
qualquer forma eu recomendo muitíssimo o livro, pois tenho convicção de que
você que está lendo este texto sabe ter discernimento e também se deliciaria com esta
história recheada de absurdos e fascinantes fatos históricos.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Ruas Estranhas - Antologia
George
RR Martin é um homem de muitos projetos. Muita gente só o conhece pela sua
colossal obra de alta fantasia, As Crônicas de Gelo e Fogo, porém, ao longo dos
anos, ele colaborou e editou dezenas de antologias. Indo muito além da fantasia
clássica, essas coletâneas de histórias de autores consagrados e iniciantes
abrangeram muitos temas distintos, como ficção científica, suspense, terror e
realidades alternativas do nosso próprio mundo.
Ruas
Estranhas é a mais recente dessas antologias. Foi lançada em 2011 nos Estados
Unidos, e no segundo semestre do ano passado chegou ao Brasil pelo selo Fantasy
- Casa da Palavra, um dos braços editoriais da Editora Leya.
O
prefácio da obra, escrito pelo próprio George, explica com clareza a proposta
desta tal de Fantasia Urbana: um híbrido que transita pelo horror e pelo
suspense. É uma ideia que me pareceu muito interessante esta de colocar um
“detetive” para investigar um caso que tenha relação ao sobrenatural, o
misterioso, o fora do comum. E esses investigadores são do típico personagem
cinzento que George tanto preza: pessoas reais, cheias de defeitos e problemas,
que passam a milhas e milhas da perfeição, mas que se esforçam ao máximo para
fazer o seu melhor nas circunstâncias apresentadas.
A
antologia nos apresenta dezesseis histórias, de autores americanos e ingleses,
de vários estilos e temáticas diferentes. Temos vampiros, lobisomens, demônios,
deuses, bruxas, sacerdotes, caçadores de fantasmas e fantasmas mesmo. Temos
cenários de todos os cantos do mundo, em várias épocas distintas, prezando por fidelidade
ao seu tempo. E, é claro, também temos mundos totalmente inventados. Tudo isso
forma um painel muito rico e variado, uma jornada cheia de surpresas nos becos
escuros.
Muito
bem, até aqui elogiei o livro e sua proposta, porém se fazem necessárias
algumas observações nem tão positivas. É um livro com muitos altos e baixos. Alguns
contos são muito bons, outros apenas bons, e também alguns que são realmente
fracos. A diversidade é sim um ponto positivo e interessante, porém ela acaba
se tornando um pouco exagerada, e deixa a obra um pouco incoerente. Por
exemplo, um subgênero que traz “urbano” no nome não me faria pensar que leria
uma história que se passa na selva da Jamaica quando esta era colônia da Inglaterra
no século XVIII. Ou outra que se desenrola numa ilha do Alasca.
Alguns
contos me desagradaram por causa de conotações sexuais extremamente mal
colocadas. Vejam bem, não sou nem um pouco puritano e não tenho nada contra
sexualidade exposta na literatura, mas acredito que ela precise ser inserida
num contexto coerente e que não soe forçada e de muito mau gosto.
Um
outro ponto negativo é o fato de algumas das histórias serem extremamente
rasas. São até boas ideias, bem desenvolvidas até certo ponto, mas que conduzem
a um final decepcionante. Nesse item, eu citaria como exemplos “Dor e sofrimento” (S.M. Stirling), “Estige e pedras” (Steven Saylor) e “O curioso caso do Deodand” (Lisa
Tuttle).
E um que eu achei ruim por completo: “Morte por Dahlia”. Se eu tinha qualquer
interesse por conhecer o universo de vampiros de Charlene Harris e de True
Blood, essa história me fez desistir de vez.
Porém, outras
histórias são fantásticas. A que eu mais gostei foi “A dama grita”, de Conn Iggulden. Ela começa com um ritmo meio
estranho, até com um discurso machista por parte do narrador/protagonista que
me deixou meio incomodado, porém o clímax e o desfecho são incríveis,
carregados de intensidade e emoção. Outros destaques são: “A sombra que sangra” (Joe R. Lansdale), que mescla música,
preconceito e demônios; “Coração faminto”
(Simon R. Green); “Sempre a mesma velha
história” (Carrie Vaughn), sobre amor e imortalidade; “Hellbender” (Laurie R. King), sobre intolerância e ódio; e “Sem mistério, sem milagre” (Melinda M.
Snodgrass).
A antologia me
fez ter vontade de conhecer mais da obra de alguns autores que participaram,
como a de Simon R. Green, que ambienta seus romances num submundo londrino onde
criaturas sobrenaturais são a coisa mais normal do mundo, com bruxas, videntes,
demônios e todo o tipo de trambiqueiro. Também me interessei mais por Iggulden
e Glen Cook, ambos com livros lançados aqui no Brasil.
Por outro
lado, de alguns dos autores eu quero manter distância.
Mas enfim, não
é um livro que se possa chamar de excelente; algumas das histórias são falhas
clamorosas, tem a disposição dessas histórias feita de forma equivocada, e
deixa a desejar em mais de um aspecto. Porém, no geral, é um livro bom,
interessante e que vale a leitura. A Fantasy caprichou no projeto gráfico,
produzindo um exemplar muito bonito e bem acabado, um produto que dá gosto de
comprar.
Se você gosta
de mistérios e do sobrenatural, e também quer conhecer material de autores
menos conhecidos no nosso país, Ruas Estranhas uma boa pedida. Confiram!
P.S. (e muito importante): George
RR Martin é só editor desta antologia, e escreveu tão somente o prefácio. Se
você comprar esse livro esperando ler alguma coisa dele, vai se decepcionar.
Não há nada remotamente ligado à Westeros. Você foi avisado!
P.S. 2: Essa é uma resenha minha que foi originalmente publicada no site Nerdvision, mas como o site parece que acabou, resolvi repostar aqui, assim como as outras que lá estão.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
Ritos de Adeus - Hannah Kent
Vocês
sabem quando um livro te ganha logo na sinopse? Pois então, foi esse o caso com
Ritos de Adeus.
Um
belo dia eu estava no Twitter quando vejo um tweet da Globo Livros dando um
link para a sinopse do livro no site da editora. Eu li aquelas poucas linhas
que descreviam a história e no mesmo instante tive a urgência de ler aquele
livro. Algo em mim gritava que eu deveria ler aquele livro.
Hannah
Kent é uma jovem australiana que fez intercâmbio na Islândia, e lá conheceu a
história de Agnes Magnúsdóttir,
a última mulher a ser condenada à morte no país, em meados do século XIX. Ficou
tão fascinada com o caso que resolveu escrever esse romance, que é ficcional,
porém fortemente baseado em fatos reais.
Agnes fora acusada e
condenada como assassina, por ter cometido um crime brutal e imensuravelmente
cruel. Fora condenada a morte. Porém, antes de a sentença ser cumprida, ela
deveria ficar confinada em uma fazenda, junto a uma família, onde receberia
apoio espiritual para se preparar para sua morte. E a partir disso a história
começa.
E é uma história não
muito linear, que se enreda através dos sentimentos conflitantes das pessoas
que se vêem obrigadas a conviver com Agnes, das memórias da própria Agnes, que
se torcem e se retorcem, em amargura, ressentimento e medo, muito medo. Assim
como nas reproduções de documentos oficiais da época, cartas, depoimentos e
retalhos da cultura popular daquele período que ajudaram a criar a imagem
mistificada de Agnes e sua história.
Então, de certa forma,
Ritos de Adeus serve como um romance biográfico (mesmo que ficcional) que
transforma a imagem de Agnes Magnúsdóttir, dando-lhe um aspecto muito mais
humano, que foge dos estereótipos criados pela sociedade islandesa da época,
que a marcou como uma assassina fria e calculista, uma bruxa, um ser baixo e
desprezível.
Hannah nos conta,
através dos lábios e memórias da própria protagonista, uma história crua sobre
miséria, fome e a luta cotidiana pela sobrevivência em uma terra áspera e
implacável, onde o frio e a solidão são personagens tão vívidos quanto a
família de Kornsá ou o reverendo Tóti. Mas, ao mesmo tempo, a narrativa tem uma
beleza melancólica que contrasta de uma forma surpreendente com toda a crueza
da paisagem, que às vezes consegue ser tão deslumbrante e mágica quanto
assustadora. Esse cenário é também um personagem, podemos dizer. As cabanas
sujas e poeirentas feitas de turfa, o constante cheiro de mar, de urina e de
fezes de animais, de óleo de baleia, de fumaça dos braseiros alimentados por
estrume. A autora sabe usar com muito talento a sinestesia, transportando o
leitor para o ambiente descrito de uma forma muito mais intensa e marcante.
É um mundo onde a
tradição escandinava e a religiosidade fervorosa cristã fundem-se em um
sincretismo constante. Um mundo que parece ter parado no tempo, onde a vida era
uma eterna luta contra as intempéries do clima e as viradas das estações. Um
mundo que não conhece luxos e confortos. Uma existência que se encerra em si
mesma, mas que é abalada pela repentina chegada de uma monstruosa assassina.
A trajetória de Agnes é
uma ode ao feminismo. Todo o seu caminho pedregoso e tortuoso através da vida
foi ainda mais árduo e difícil pelo fato de ela ser uma mulher letrada, que
pensava por si mesma e não aceitava com docilidade qualquer coisa que lhe fosse
imposta. Uma mulher forte e de personalidade, em um mundo basicamente ainda
medieval como o da Islândia do século XIX, era algo de causar escândalo, uma
subversão, algo abominável. Uma das razões que a teriam levado a cometer crimes
tão bárbaros.
Mas na verdade, Agnes é
apenas uma mulher que quer amar e ser amada, de verdade, sem ser apenas uma
criada ou um objeto para saciar os desejos da carne do seu senhor. Agnes é uma
mulher que queria entender a vida muito além do cotidiano, das obrigações
básicas da sobrevivência; queria encontrar razões, dar um sentido a tudo
aquilo. Fugir do vazio desesperador da existência pacata e sem perspectivas.
Ela queria viver de verdade.
Em momento nenhum se
tenta defender Agnes de tudo; afirmar que na verdade ela era apenas uma vítima
do seu meio. Não, é tão mais do que isso. Como eu já disse, ela é mostrada como
humana, crível, de carne e osso e personalidade cinzenta. De uma forma ou de
outra, todos nós somos culpados de alguma coisa, seja essa coisa grande ou
pequena, impactante ou irrelevante. Mas nunca, nunca mesmo, somos cem por cento
isentos de alguma culpa. Culpa perante outras pessoas, ou ainda a culpa junto a
si mesmo. Agnes não é nenhuma heroína das sagas nórdicas, é uma mulher que sobreviveu
o quanto pode, assim como todos nós.
Hannah Kent estreou no
mundo literário com Ritos de Adeus. Tem algumas inconstâncias característica de
autores iniciantes, escolhas de palavras que parecem estranhas, cenas que
poderiam ter sido mais aprofundadas, e por aí vai, mas que não colocam o livro
em nenhuma má posição. Ela tem seu grande mérito na ambientação e na relação
dos personagens com esse ambiente impiedoso e brutal. Outro ponto muito forte é
a capacidade dela em descrever o medo e a angústia, o desespero de quem tem a
consciência de que a cada dia que passa a morte está mais próxima. As dúvidas e
os questionamentos, as revelações, as epifanias. Ela tem uma característica no
seu estilo de escrita que eu admiro muito: conseguir colocar muita informação e
sentimento em poucas linhas.
É uma estreia de peso, que mostra todo o
potencial que essa grota tem. E eu realmente espero que ela ainda produza muita
coisa no futuro.
Recomendo demais. Uma leitura que às vezes
pode ser um soco no estomago, mas que vale muito a pena.
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