quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Narcos - A Primeira Temporada



       
     Quando se fala em Colômbia, instintivamente vêm à mente três coisas: café, Gabriel García Márquez e cocaína (e Shakira também, pra ser bem honesto). Certo, eu admito que isso soe bem tolo e um bocado estereotipado. Mas mesmo assim, é preciso ser dito que todo estereotipo tem alguma verdade em si, e os fios da ficção podem ser puxados aqui e ali cuidadosamente e com isso criar algo verossímil e fantástico.
            É esse o caso de Narcos, uma das empreitadas mais recentes da gigante Netflix.
            Logo no primeiro episódio nos deparamos com um breve texto falando sobre o realismo fantástico e sobre como ele só poderia ter surgido na Colômbia. Claramente uma menção ao inesquecível Gabo e suas histórias mágicas e incrivelmente humanas, onde o fantástico e o surreal surgiam em meio aos cenários mais banais e mundanos. E isso é pego emprestado na série, que conta uma história tão incrível e impressionante que realmente poderia ter acontecido somente na Colômbia.
            Trata-se de uma história real costurada  com elementos de ficção, sobre a ascensão do maior traficante de cocaína de toda a história e o império que ele construir com muito sangue derramado. Além disso, também é sobre a caçada que as autoridades fizeram atrás dele durante mais de uma década.
            Mas eu acho que seria muito injusto definir a série apenas como isso. Seria apenas uma sinopse vazia. Não é uma série apenas sobre Pablo Escobar, ou sobre o agente Murphy e a sua desconstrução de caráter ao longo dos anos ou apenas sobre o problema do tráfico em si. Existe muito mais nisso, uma história que se aprofunda no questionamento sobre o que é o poder e como ele transforma as pessoas e as coloca diante de dilemas pesados e angustiantes.
            Muito se fala sobre a figura implacável e sanguinária de Pablo Escobar e sobre como construiu seu insanamente lucrativo império. Ele seria um monstro, impiedoso e que não mede conseqüências. De fato, ele fora tudo isso mesmo, não se pode negar. Mas apesar disso, havia um ser humano por trás do monstro. E a série muito cuidadosa em mostrar a jornada de transformação de Pablo, as suas nuances, contradições e estranhos idealismos. Mesmo com todos os seus atos cruéis e sanguinários, eu não tenho como não achar Pablo Escobar uma das personalidades mais fascinantes do século XX.
            O espanhol de Wagner Moura pode não ser digno de um Miguel de Cervantes da vida, mas eu realmente pouco me importo com isso, pois a atuação do brasileiro transcendeu o simples fator lingüístico. Wagner encarnou o personagem com maestria, transmitindo toda sua complexidade e pluridimensionalidade, de um homem que transita confortavelmente entre o amoroso pai de família e amigo das comunidades carentes e o sanguinário chefe do tráfico de cocaína que tem basicamente controle sobre todo um país em suas mãos.
            E é nesse ponto que entra a questão da faceta transformada do poder. Pablo começa sua jornada cheio de planos e ideais; parecendo que genuinamente quer fazer de seu país um lugar melhor para o povo. Mas a quantia inacreditável de dinheiro que conquista com o tráfico e o aumento exponencial de suas operações, acabam o transformando em um sociopata manipulador e paranóico, e com o passar do tempo essa se tornou a imagem com a qual ele foi vinculado para o mundo. De certa maneira, Pablo criou um mundo alternativo para si mesmo, onde era deus e rei, e sentava-se em um trono de dinheiro que o fazia intocável.
            Intocabilidade essa que no fim das contas o fez solitário. Sua megalomania o transformara em alvo não só do governo colombiano, mas também dos Estados Unidos. Foi caçado de todas as maneiras possíveis, e a cada escapada miraculosa ficava mais paranóico e mais afastado da tranqüila vida que um homem de espírito mediano como ele no fundo desejava.
            Mas como eu disse antes, Narcos não é apenas sobre Pablo. Toda a trama passeia delirantemente entre as relações de poder nos mais diferentes níveis. Dos traficantes, do exército, do presidente da Colômbia e muito da pesada e influente mão do governo norte-americano. Pode-se dizer então que um dos motes principais da série tem a ver com política e suas complicadas e perigosas derivações.
            Tudo isso já é muito fascinante e prende a atenção do espectador por si só, mas a produção consegue se elevar ainda mais com o seu toque documental que mescla material original da época, como vídeos, fotos e artigos de jornal, com o que foi feito para a série. Alie-se a isso os vários momentos onde a direção opta por tomadas cheias de movimentos e balanços, com a câmera acompanhando a ação com energia, passando um ar de curiosidade e tensão. E ainda por cima há a frieza com que os atos de brutalidade são retratados, de forma direta e impactante, sem adornos ou amenizações, apenas a velha e cruel realidade retratada com muito sangue, tiros, estupro e sem nenhuma meia medida. É a conhecida mão de José Padilha fazendo o seu sempre muito competente trabalho.
            Outra coisa interessante de ressaltar é a enxurrada de informações e detalhes que é passada ao espectador sobre o funcionamento assombroso do tráfico de drogas. Sobre como a cocaína é produzida e distribuída, sobre como o dinheiro é movimentado e escondido nos lugares mais improváveis, sobre as loucuras que os chefes do tráfico fazem esbanjando toda essa montanha de dinheiro que eu eles nem sabem como gastar. E também toda a rede de aliciamento e corrupção que um negócio desses é capaz de criar, espalhando galhos e raízes em todas as direções. E isso é o realismo fantástico em sua essência mais genuína e que honra a tradição colombiana e latina do gênero. Gênero esse que conquistou e fascinou ma legião de fãs ao redor do mundo.
             Então, eu acho que seja justo dizer que Narcos foi muito competente em mimetizar de maneira correta e coerente as dinâmicas e mecanismos do realismo fantástico e entregar um material muita qualidade, possivelmente uma das melhores produções do ano e que eu não acho nenhum absurdo pleitear alguns prêmios na próxima temporada de premiações. 
                Enfim, uma série que talvez não seja totalmente brilhante e impecável, mas que é com certeza de muitos méritos e vale demais a pena ser assistida. É compacta, tem só 10 episódios, e pode ser vista tranquilamente em um final de semana. Confira!


P.S. - Um beijo pra Luisa, que viu um pedaço da temporada comigo s2

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Blind Guardian em Porto Alegre



            Eu passei por alguns momentos bastante complicados nas últimas semanas. A chuva que caiu incessante sobre o Rio Grande do Sul comprometeu quase por completo todo o meu trabalho na minha lavoura de tomate, e isso me deixou abalado demais. Quem me conhece bem sabe como isso tudo é importante para mim, o que até explica o nome desse blog, e viu no decorrer desse tempo o quanto eu fiquei perturbado.
            É uma questão de identidade. Esse trabalho me dá um sentido pra vida, me faz ter os dois pés no chão e me faz sentir que faço parte de algo, que o meu esforço tem sentido e serve para alguma coisa. O dinheiro perdido é o que menos importa. O problema, então, é agüentar a frustração e a angústia de ver todo o esforço e a dedicação indo ralo abaixo por condições das quais eu não tenho o mínimo controle. E o pior: esses sentimentos só fazem acordar os fantasmas do meu passado que voltam pra me assombrar sem um pingo de piedade.
            Mas enfim, você aí que numa dessas estiver lendo esse texto deve estar se perguntando: mas o que diabos isso tem a ver com o show do Blind Guardian?