domingo, 11 de outubro de 2009

Dias cinzas

Gosto muito dos dias cinzas. Me dão vontade de ouvir Paradise Lost e ler Edgar Allan Poe. Nesse exato momento, olhando pela janela do quarto, vejo um primoroso dia primaveril, com um belo sol e a natureza fervilhando de vida. Acho lindo, sim, muito agradável; mas mesmo assim ainda prefiro os dias cinzentos, com seus ventos sussurrantes, meias-luzes enigmáticas e silêncios reflexivos.

O mundo tem os ciclos das estações, com o apogeu no verão e o momento mais tenebroso no inverno. Bem, eu consideraria meu apogeu pessoal justamente o inverno, com sua tenebrosidade fria, as trevas (como isso piegas.... mas azar) e a incerteza do dia seguinte. Pessoalmente eu acredito que é nesse período que existe a produção mais refinada por parte de qualquer pessoa, já que de alguma forma foi herdado dos antepassados mais remotos o medo do inverno, a dúvida da sobrevivência, e com isso se quer deixar o melhor por esse tempo, pois nunca se sabe o que virá depois. Isso é uma teoria sem qualquer base concreta, que acabou de brotar dos pensamentos descoordenados e, portanto, creio que não deve ser levado muito em consideração. Nem sei dizer muito bem o real motivo dessa prefêrencia por dias frios, escuros e sem lá muita vida, é uma paixão inerente a mim, como se a aparência de um dia assim fosse uma espécie de reflexo da minha alma. De fato, muitas vezes me sinto cinzento, soturno, obscuro. Exatamente, algumas coisas de mim mesmo eu não conheço.


A instrospecção e o silêncio são sempre aliados. Em algum lugar ouvi dizerem que o pior dos solitários é aqueles que não consegue ficar sozinho. Ouvi isso e me identifiquei instantaneamente com a ideia, já que por motivos não dos mais significativos passei muitos, inúmeros, incontáveis, dias de solidão. Prefiro não ver isso como um exílio social, mas sim como um eterno exercício de auto-conhecimento . Existem pessoas que dispensam tanta atenção ao que as outras pensam a respeito delas, que acabam por esquecer de si mesmas, tornado-se um enigma ao próprio auto-conhecimento. Isso parece um tanto incoerente, mas é o que me ocorre, já que não foram poucas as vezes que me deparei com aqueles que conhecem mais os amigos do a si mesmos; de fato essa é uma histórinha batida, que quase todo mundo já viu em começo de ano escolar, mas de qualquer maneira é sempre algo que me surpreende, que faz se depara com os desertos interiores. E esses desertos, invariavelmente, são cinzentos.

E mais uma vez deparamo-nos com as dualidades existenciais. Não há o colorido da felicidade sem os contornos sóbrios e melancólicos do cinza. Sim, isso é um fato, vemos isso seguidamente e é sempre bom levar tudo isso em consideração. Bom, existem excessões, como sempre. Existe ambiguidade, e muita, circundando tudo o que o mortal e passageiro ser humano faz. Transcender os limites do natural é comum, e transformar uma das formas em única é o primeiro passo à loucura doentia. Ser feliz demais é erro, e se martirizar eternamente por motivo algum é tão errado quanto. As duas situações são doentias, mórbidas e denotam o vazio e o medo enrustidos em cada um.

Anoitece, sopra uma brisa forte, mas não fria. Um belo dia primaveril chega ao fim. Pelo que parece a noite será bastante sombria, já que as finas nuvens do horizontes vão se amontoando lentamente, para que amanhã seja um dia cinza.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Raiva

Enraged and full of anger.

Sábias palavras proferidas, ou melhor, cuspidas, por Rob Halford no clássico dos clássicos Painkiller.

Nos últimos tempos tenho me sentido assim. Bem, eu não sou meio homem - meio máquina, nem devasto planetas e muito menos cuspo fogo e fumaça. Mas de qualquer jeito ando furioso e cheio de raiva. E isso me impressiona, já que na maioria das vezes, sempre fui quase um monge tibetano quase atingindo o Nirvana (certo, isso é um exagero cretino). Na verdade, como qualquer mortal comum, tenho meus momentos de raiva. E o que me intriga nisso é a forma como tudo ocorre. Perturbadoramente silenciosa.

É algo quase cientificamente comprovado (ou que qualquer um com um pouco de senso de lógica pode reparar por conta própria): Os sentimentos de raiva e ira servem como válvula de escape para as pressões que se acumulam, misturadas a medos, frustrações e tristezas. Botar tudo para fora num grito raivoso é a coisa mas natural do mundo. E bem por isso que fico até com medo dessa minha raiva muda.

O pequeno universo que e cerca a cada dia se mostra mais e mais nojento. A épica e monstruosa guerra de egos com a qual eu (e convenhamos, quase todo mundo) se depara todo o dia vai tomando proporções devastadoras, e que me deixam absolutamente decepcionado. Detalhes são irrisórios nessas horas, o senso comum inconsciente indica para qualquer um que tipo de exemplos tomar, e por isso nomes e fatos são tão inúteis quanto tentar derreter ouro com um fósforo.

O cinismo e a hipocrisia nunca andaram tão próximos. É lamentável ver e ouvir coisas tão desagradáveis e não ter sequer estômago para tentar dizer algo em contra-partida; outro fator para minha raiva interior . Estar cercado de futilidade é um martírio, mesmo eu não querendo ter qualquer pretensão canônica, e por isso cada novo dia vem mais cheio de duras provações. O não-senso é enojante, viver alienado é tão comum que os conceitos coloniais, medievais até, prosperam sem serem questionados, endeusados como verdades irrevogáveis e dogmas eternos e monoliticamente postados sobre qualquer cultura. O horizonte dos olhos é o limite, não existe universo aquém de seus plexos solares e ebriedades sórdidas. Mundo atulhados de limitações, onde olhar para o céu, e imaginar algo além de tudo o que já foi visto, é um crime.
A decepção acaba sendo algo de todo corriqueiro. Ir fazer alguma coisa que já sabe que será frustrada, sem sentido, vazia e estúpida. O desânimo tem força, muita força; ele abre caminho para o espelho da alma. É no momento de decepção, de tristeza e melancolia que nos vemos melhor, meditamos, buscamos nossas respostas. E como tudo o que quero é antagônico ao que convivo, a decepção e o desalento andam sempre soturnas, por perto, rondando como um caçador experiente. E essa estranha raiva se desenha com contornos perigosos, já que não sei como ela vai acabar sendo expurgada um dia. A revolta silenciosa, repleta de ódio que borbulha discretamente no âmago, vai ficar por ali à espreita, apenas aguardando sabe-se-lá-o-que
Cada demonstração de ignorância, de futilidade, de vazio interior, faz com que mais um pouco da minha vontade seja derrubada. O ímpeto segue forte, meus sonhos e minhas metas são inatingíveis, mas o ânimo para lidar com os semelhantes de meio, ah, esse esmorece lentamente, até que chegue o dia que ele desmanchará por completo.
O mundo é absurdamente grande. E saber disso é um consolo igualmente grande. Só de imaginar a sensação de respirar novos ares, limpos e revigorados, a sensação de raiva diminui. Diminui, mas não some, como nunca, jamais, irá sumir.