“Conhece-te a ti mesmo”. É o que diz o
milenar aforismo socrático. Palavras que em quase dois mil e quinhentos anos
não perderam a verdade e a relevância na complexa experiência humana que é o
existir.
Terminei de ler, ontem, um dos
grandes livros da literatura moderna brasileira: Quarup, de Antônio Callado.
Conta a história de Nando, um padre com profundos dilemas existenciais. Durante
toda sua vida foi preparado para dirigir uma prelazia da Igreja Católica entre
os índios do Xingu (que à época do livro, anos 60, eram ainda completamente
selvagens), porém jamais teve a certeza absoluta de que essa era de fato sua
missão no mundo.
Essa é uma história sobre o Brasil.
O Brasil nele mesmo. O Brasil se descobrindo e os brasileiros conhecendo o
Brasil na sua essência de miscigenação, vícios e utopias. Tudo isso
metaforizado na jornada intensa e profunda de Nando em busca do autoconhecimento.
Conhece-te a ti mesmo.
Eu sou dos que acredita que livros
não trazem uma grande mensagem ou algum tipo de lição. Penso que um grande
livro traz uma experiência única para cada pessoa que o lê, uma experiência que
talvez seja completamente diferente de outra pessoa que o leia. Para mim, no
caso de Quarup, foi sobre autoconhecimento. A importância de cada pessoa buscar
seu próprio caminho, sem influência exageradas, expectativas altas demais, sem
planejar tudo minuciosamente e assim não deixar o mínimo de espaço para o
imprevisível.
Do ossuário de um mosteiro até o
confim dos sertões na busca por justiça e igualdade, passando pelo Brasil
selvagem do Xingu e pelo fervilhar carioca repleto de perfumes e sonhos
etéreos. Nando, passo após passo, desilusão após desilusão, com amor, paixão e
dor, acha seu caminho através de um Brasil pulsante, que anseia por ser grande,
por revolução e novos tempos. Que precisa olhar para dentro de si mesmo. Se
conhecer para crescer. Assim como Nando. Assim como todos nós.
Conhece-te a ti mesmo.
O conhecimento não é uma porta para
a alegria e satisfação, muito pelo contrário talvez, trazendo à vida um quê a
mais de angústia. Saber, ter ideias das coisas que acontecem com outras pessoas
pelo mundo é algo duro, quase cruel. Sem
o autoconhecimento o conhecimento em si não serve de nada além aflições e
encruzilhadas existenciais.
Cabe a nós encarar essas
encruzilhadas, para buscar saber quem somos de verdade, lá no fundo. Nossa
essência. Viver um simples dia-a-dia de rotina é pior; com metas que não fomos
nós que realmente traçamos, ansiando por satisfazer expectativas alheias de
outras pessoas frustradas por não terem correspondido expectativas que haviam
posto sobre elas.
Viver é essa jornada de
aprendizagem. Aprendendo sobre si mesmo. Sempre.
Não se conhecer é negar a si mesmo.
Narciso apaixonou-se por sua própria imagem. Apesar do fim trágico, talvez possamos divagar sobre não podermos amar sem conhecermos a nos mesmos. |