sábado, 25 de agosto de 2012

Espelho de éter


            “Conhece-te a ti mesmo”. É o que diz o milenar aforismo socrático. Palavras que em quase dois mil e quinhentos anos não perderam a verdade e a relevância na complexa experiência humana que é o existir.

            Terminei de ler, ontem, um dos grandes livros da literatura moderna brasileira: Quarup, de Antônio Callado. Conta a história de Nando, um padre com profundos dilemas existenciais. Durante toda sua vida foi preparado para dirigir uma prelazia da Igreja Católica entre os índios do Xingu (que à época do livro, anos 60, eram ainda completamente selvagens), porém jamais teve a certeza absoluta de que essa era de fato sua missão no mundo.
            Essa é uma história sobre o Brasil. O Brasil nele mesmo. O Brasil se descobrindo e os brasileiros conhecendo o Brasil na sua essência de miscigenação, vícios e utopias. Tudo isso metaforizado na jornada intensa e profunda de Nando em busca do autoconhecimento.

            Conhece-te a ti mesmo.

            Eu sou dos que acredita que livros não trazem uma grande mensagem ou algum tipo de lição. Penso que um grande livro traz uma experiência única para cada pessoa que o lê, uma experiência que talvez seja completamente diferente de outra pessoa que o leia. Para mim, no caso de Quarup, foi sobre autoconhecimento. A importância de cada pessoa buscar seu próprio caminho, sem influência exageradas, expectativas altas demais, sem planejar tudo minuciosamente e assim não deixar o mínimo de espaço para o imprevisível.
            Do ossuário de um mosteiro até o confim dos sertões na busca por justiça e igualdade, passando pelo Brasil selvagem do Xingu e pelo fervilhar carioca repleto de perfumes e sonhos etéreos. Nando, passo após passo, desilusão após desilusão, com amor, paixão e dor, acha seu caminho através de um Brasil pulsante, que anseia por ser grande, por revolução e novos tempos. Que precisa olhar para dentro de si mesmo. Se conhecer para crescer. Assim como Nando. Assim como todos nós.

            Conhece-te a ti mesmo.

            O conhecimento não é uma porta para a alegria e satisfação, muito pelo contrário talvez, trazendo à vida um quê a mais de angústia. Saber, ter ideias das coisas que acontecem com outras pessoas pelo mundo é algo duro, quase cruel.  Sem o autoconhecimento o conhecimento em si não serve de nada além aflições e encruzilhadas existenciais.
            Cabe a nós encarar essas encruzilhadas, para buscar saber quem somos de verdade, lá no fundo. Nossa essência. Viver um simples dia-a-dia de rotina é pior; com metas que não fomos nós que realmente traçamos, ansiando por satisfazer expectativas alheias de outras pessoas frustradas por não terem correspondido expectativas que haviam posto sobre elas.

            Viver é essa jornada de aprendizagem. Aprendendo sobre si mesmo. Sempre.

            Não se conhecer é negar a si mesmo.


Narciso apaixonou-se por sua própria imagem.  Apesar do fim trágico, talvez possamos divagar sobre não podermos amar sem conhecermos a nos mesmos.

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