
Em
The Leftovers, Tom Perrotta mostra que sabe muito bem escrever sobre pessoas. Eu
vi um trailer da série da HBO baseada nesse livro, e senti uma pontada meio
incontrolável de lê-lo. E li em inglês mesmo, num e-book catado na internet. Logo
de cara deu pra notar que as duas histórias (a do livro e a da série) são como
gêmeos bivitelinos: vem da mesma fonte, se parecem um pouco, mas
definitivamente não são a mesma coisa.
O
livro é uma meditação, ou reflexão, se preferir chamar assim, sobre perdas,
mortes, abandonos, luto e rancor. E talvez várias outras coisas, que outros
olhares com outras experiências e sensibilidades possam observar.
Um
cenário pacato. Com pessoas comuns, vivendo vidas comuns. Sem nada de realmente
extraordinário. Até que em um 14 de Outubro milhares de pessoas simplesmente
desaparecem, sem a menor pista de onde possa ter ido parar. A partir disso o
autor traça a trajetória da vários personagens, mostrando as diferentes formas
como esses personagens lidaram com esse acontecimento bizarro e sem explicação.
Por isso, é o tipo de história que eu gosto, pelo simples motivo de levantar
uma questão muito importante: se algo assim acontecesse, como você reagiria?
Os
personagens reagem com o as pessoas normais e comuns, como eu e você, regariam.
Cada uma de uma forma diferente, variando pelas experiências que cada uma delas
já teve na vida. Homens e mulheres de meia idade, adolescentes, universitários.
Todos tentando compreender, buscando um sentido, algo que faça suas vidas valer
a pena. E isso tudo por meio de situações tão banais que beiram o clichê, mas
que você compreende e sente a veracidade porque simplesmente você muito bem
poderia acabar fazendo a mesma coisa. Soa natural, orgânico.
Alguém
possa talvez argumentar que todos os personagens são brancos, de classe média e
alta, que vivem em subúrbio e não enfrentam os verdadeiros dilemas e crueldades
da vida. Bom, esse seria um argumento realmente válido se a proposta do livro
fosse falar a respeito dos verdadeiros dilemas e crueldades da vida. É algo
diferente disso, algo de certa forma etéreo, que fragilmente escapa da nossa
percepção mais imediata. Uma metáfora, talvez? Não sei se o termo seria o certo
a se aplicar, mas acho que não estaria errado por completo. Até porque não
seria um absurdo metaforizar o conceito de vida comum e pacata abruptamente
virada do avesso por um fenômeno inexplicável através da figura do Sonho
Americano: uma vida tranquila e confortável em um subúrbio, ou uma cidade
pequena, com uma casa grande, jardim, carro do ano na garagem, casamento,
filhos, cachorro, gato e reuniões de família para celebrar essa boa vida
americana. E por aí vai.
Nisso
então se agregam os dramas por trás do sonho. As mentiras, as traições, as
vaidades. Os segredos sujos. O falso moralismo e as vidas vividas em ilusão. É
um mundo novo, que tem a mesma cara de antes, mas diferente. Pode-se sentir no
ar a tensão entre as pessoas. Entre aqueles que tentam trazer a vida de volta à
normalidade e os que acreditam que o evento jamais deve ser esquecido, e que a
vida jamais será a mesma de novo. São dilemas que flutuam entre interesses de
grupos e as mortificações pessoais, por culpa, remorso e saudade.
Grupos,
seitas e cultos brotam de todos os lados. Oferecendo conforto, sentido e
redenção. Ou a constante lembrança, uma teimosa lembrança. Uns por puro
charlatanismo, outros com sinceridade. E outros que no meio do caminho acabam
fundindo uma coisa com a outra. Essa parte da historia me deixou muito
satisfeito, porque mostra de uma maneira muito convincente a forma como a
moralidade religiosa e seus princípios é algo inerente da cultura americana. A
religião é colocada completamente a frente da ciência na busca por respostas.
Se debate se foi o Arrebatamento bíblico ou não, se Jesus estaria logo
voltando, se isso seria um sinal de Deus, um castigo, uma punição. Pessoas se
desesperam tentando descobrir a razão de não terem sido “escolhidas”, por que
este ou aquele sujeito foi mesmo sendo uma pessoa ruim, cheia de segredos
sórdidos e muita sujeira por de baixo do tapete persa de sua grande e
confortável sala de estar.
Uma
boa representação do espírito americano. Ou mesmo do mundo todo. O qual sempre
se põe por cima dos outros, apontando dedos e nunca olhando os espelhos grandes
e de molduras bonitas dos seus quartos e banheiros.
Eu
realmente gostei bastante desse livro. É bem provável que muita gente se
decepcione, porque é um livro de bem pouca ação, onde a grandeza reside na
banalidade das pequenas coisas, das pequenas revelações que surgem durante
alguma obrigação tediosa. Talvez se decepcionem com o final, que parece abrupto
e meio sem sentido, mas que parando pra pensar, faz sim todo o sentido. Enfim,
uma leitura tocante em alguns momentos, divertida e engraçada em outros, que
flui muitíssimo bem (li em menos de uma semana), e que se você estando disposto
a dar uma boa olhada no cerne de famílias e pessoas da classe média americana,
seus sonhos destruídos, rancores constantemente alimentados e utopias
descabidas, The Leftovers é uma excelente pedida.
PS: Vi o primeiro episódio da
série. Gostei, mas ainda não completamente. Como eu disse no texto, é uma
história parecida, mas diferente. Enquanto que o livro leva em conta
primariamente as pessoas e suas naturezas, a série acrescenta a isso o mistério
por trás do desaparecimento repentino. Pode dar muito certo. Ou ser um tremendo
e retumbante fracasso. É esperar pra descobrir.
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