quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Cemitério de Praga - Umberto Eco



        
    Anti-semitismo, revoluções carbonárias e garibaldianas, conspirações judaicas e maçons, missas negras e satanismo, fraudes, trapaças e uma trama alucinante são os principais ingredientes do mais recente trabalho do escritor italiano Umberto Eco, este fabuloso “O Cemitério de Praga”.

            O livro conta a história do Capitão Simoni Simonini, um idoso italiano radicado em Paris, falsário brilhante com forte veia de escritor e que envolve-se nos mais importantes acontecimentos políticos e sociais do século XIX. A escrita sempre pouca usual de Eco, aqui recheada de uma ironia sensacional, flui de maneira fácil e instigante. Sob forma de um diálogo surpreendente através de um diário, duas pessoas que nem mesmo se conhecem rememoram os fatos de uma longa vida repleta de aventuras que se desenrolam de maneira reveladora tanto para o leitor como para os próprios personagens da história. 

            Além dos cenários históricos mostrados, talvez o grande ideal do livro seja denunciar a completamente absurda gama de preconceitos étnicos e religiosos que permeavam os círculos intelectuais da Europa no século XIX. Histórias populares e outras inventadas para incitar o ódio que foram se reciclando em dezenas e dezenas de outras obras acabaram por se tornar toda uma literatura e um negócio rentável, seja com disparates infundados sobre judeus, maçons ou delirantes devaneios sobre satanismo. E é aí que entra a genial ironia de Eco, mostrando tudo isso pelos olhos de um anti-semita covicto, que não titubeia em inventar seja o que for para justificar suas crenças que fundo talvez não compreenda. 

            E uma dessas invenções é o cemitério que dá título ao livro. Entre todas as falcatruas de espionagem e contra-espionagem, todo o pano de fundo da história é a construção da cena no cemitério onde rabinos líderes das doze tribos de Israel tramam um tenebroso complô para dominar o mundo. Que chega a ser hilário para quem tem tino de compreender a ironia, porém muito realista e assustador para mentes preconceituosas e de certa forma paranóicas. 

            “O Cemitério de Praga” é um romance histórico, isto porque praticamente tudo o que é descrito no livro de fato aconteceu, sendo o próprio protagonista o único personagem inventado (mesmo que, segundo ele próprio, basta falar de alguma coisa para que esta exista). Mas mesmo assim, os feitos notáveis atribuídos a este ser ficcional também aconteceram, e mesmo que por mãos de outras pessoas, ilustres desconhecidos que ganharam vida pela habilidade literária deste grande mestre da literatura contemporânea. 

            Aliás, também é interessante citar que o livro anda fazendo barulho entre certos grupos religiosos. O Vaticano criticou o livro por falhar em sua missão de denunciar o anti-semitismo, criando o efeito oposto, incitando esse sentimento nos leitores. Um rabino romano comentou que esta não era uma obra científica que analisa um fenômeno e por isso não teria qualquer validade. Sobre essas falas pouco receptivas sobre sua obra, Eco respondeu o seguinte: “Quem escreve um manual de química também pode ser acusado, se alguém o usar para envenenar a avó”

            Eu, pessoalmente, fico ao lado de Eco, pois acredito que um autor não pode ser acusado se alguns de seus leitores não tiverem capacidade de discernir o que é discurso sério e o que é apenas ironia. E não é a primeira vez que ele é acusado pela igreja, trinta anos atrás o vaticano ficou enfurecido com o clássico “O Nome da Rosa” (que, aliás, é um dos meus livros favoritos de todos os tempos, recomendo também). 

            De qualquer forma eu recomendo muitíssimo o livro, pois tenho convicção de que você que está lendo este texto sabe ter discernimento e também se deliciaria com esta história recheada de absurdos e fascinantes fatos históricos. 




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