O
livro conta a história do Capitão Simoni Simonini, um idoso italiano radicado
em Paris, falsário brilhante com forte veia de escritor e que envolve-se nos
mais importantes acontecimentos políticos e sociais do século XIX. A escrita
sempre pouca usual de Eco, aqui recheada de uma ironia sensacional, flui de
maneira fácil e instigante. Sob forma de um diálogo surpreendente através de um
diário, duas pessoas que nem mesmo se conhecem rememoram os fatos de uma longa
vida repleta de aventuras que se desenrolam de maneira reveladora tanto para o
leitor como para os próprios personagens da história.
Além
dos cenários históricos mostrados, talvez o grande ideal do livro seja
denunciar a completamente absurda gama de preconceitos étnicos e religiosos que
permeavam os círculos intelectuais da Europa no século XIX. Histórias populares
e outras inventadas para incitar o ódio que foram se reciclando em dezenas e
dezenas de outras obras acabaram por se tornar toda uma literatura e um negócio
rentável, seja com disparates infundados sobre judeus, maçons ou delirantes
devaneios sobre satanismo. E é aí que entra a genial ironia de Eco, mostrando
tudo isso pelos olhos de um anti-semita covicto, que não titubeia em inventar
seja o que for para justificar suas crenças que fundo talvez não compreenda.
E
uma dessas invenções é o cemitério que dá título ao livro. Entre todas as
falcatruas de espionagem e contra-espionagem, todo o pano de fundo da história
é a construção da cena no cemitério onde rabinos líderes das doze tribos de
Israel tramam um tenebroso complô para dominar o mundo. Que chega a ser hilário
para quem tem tino de compreender a ironia, porém muito realista e assustador para
mentes preconceituosas e de certa forma paranóicas.
“O
Cemitério de Praga” é um romance histórico, isto porque praticamente tudo o que
é descrito no livro de fato aconteceu, sendo o próprio protagonista o único
personagem inventado (mesmo que, segundo ele próprio, basta falar de alguma
coisa para que esta exista). Mas mesmo assim, os feitos notáveis atribuídos a
este ser ficcional também aconteceram, e mesmo que por mãos de outras pessoas,
ilustres desconhecidos que ganharam vida pela habilidade literária deste grande
mestre da literatura contemporânea.
Aliás,
também é interessante citar que o livro anda fazendo barulho entre certos
grupos religiosos. O Vaticano criticou o livro por falhar em sua missão de
denunciar o anti-semitismo, criando o efeito oposto, incitando esse sentimento
nos leitores. Um rabino romano comentou que esta não era uma obra científica
que analisa um fenômeno e por isso não teria qualquer validade. Sobre essas
falas pouco receptivas sobre sua obra, Eco respondeu o seguinte: “Quem escreve
um manual de química também pode ser acusado, se alguém o usar para envenenar a
avó”.
Eu,
pessoalmente, fico ao lado de Eco, pois acredito que um autor não pode ser
acusado se alguns de seus leitores não tiverem capacidade de discernir o que é
discurso sério e o que é apenas ironia. E não é a primeira vez que ele é
acusado pela igreja, trinta anos atrás o vaticano ficou enfurecido com o
clássico “O Nome da Rosa” (que, aliás, é um dos meus livros favoritos de todos
os tempos, recomendo também).
De
qualquer forma eu recomendo muitíssimo o livro, pois tenho convicção de que
você que está lendo este texto sabe ter discernimento e também se deliciaria com esta
história recheada de absurdos e fascinantes fatos históricos.
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