George
RR Martin é um homem de muitos projetos. Muita gente só o conhece pela sua
colossal obra de alta fantasia, As Crônicas de Gelo e Fogo, porém, ao longo dos
anos, ele colaborou e editou dezenas de antologias. Indo muito além da fantasia
clássica, essas coletâneas de histórias de autores consagrados e iniciantes
abrangeram muitos temas distintos, como ficção científica, suspense, terror e
realidades alternativas do nosso próprio mundo.
Ruas
Estranhas é a mais recente dessas antologias. Foi lançada em 2011 nos Estados
Unidos, e no segundo semestre do ano passado chegou ao Brasil pelo selo Fantasy
- Casa da Palavra, um dos braços editoriais da Editora Leya.
O
prefácio da obra, escrito pelo próprio George, explica com clareza a proposta
desta tal de Fantasia Urbana: um híbrido que transita pelo horror e pelo
suspense. É uma ideia que me pareceu muito interessante esta de colocar um
“detetive” para investigar um caso que tenha relação ao sobrenatural, o
misterioso, o fora do comum. E esses investigadores são do típico personagem
cinzento que George tanto preza: pessoas reais, cheias de defeitos e problemas,
que passam a milhas e milhas da perfeição, mas que se esforçam ao máximo para
fazer o seu melhor nas circunstâncias apresentadas.
A
antologia nos apresenta dezesseis histórias, de autores americanos e ingleses,
de vários estilos e temáticas diferentes. Temos vampiros, lobisomens, demônios,
deuses, bruxas, sacerdotes, caçadores de fantasmas e fantasmas mesmo. Temos
cenários de todos os cantos do mundo, em várias épocas distintas, prezando por fidelidade
ao seu tempo. E, é claro, também temos mundos totalmente inventados. Tudo isso
forma um painel muito rico e variado, uma jornada cheia de surpresas nos becos
escuros.
Muito
bem, até aqui elogiei o livro e sua proposta, porém se fazem necessárias
algumas observações nem tão positivas. É um livro com muitos altos e baixos. Alguns
contos são muito bons, outros apenas bons, e também alguns que são realmente
fracos. A diversidade é sim um ponto positivo e interessante, porém ela acaba
se tornando um pouco exagerada, e deixa a obra um pouco incoerente. Por
exemplo, um subgênero que traz “urbano” no nome não me faria pensar que leria
uma história que se passa na selva da Jamaica quando esta era colônia da Inglaterra
no século XVIII. Ou outra que se desenrola numa ilha do Alasca.
Alguns
contos me desagradaram por causa de conotações sexuais extremamente mal
colocadas. Vejam bem, não sou nem um pouco puritano e não tenho nada contra
sexualidade exposta na literatura, mas acredito que ela precise ser inserida
num contexto coerente e que não soe forçada e de muito mau gosto.
Um
outro ponto negativo é o fato de algumas das histórias serem extremamente
rasas. São até boas ideias, bem desenvolvidas até certo ponto, mas que conduzem
a um final decepcionante. Nesse item, eu citaria como exemplos “Dor e sofrimento” (S.M. Stirling), “Estige e pedras” (Steven Saylor) e “O curioso caso do Deodand” (Lisa
Tuttle).
E um que eu achei ruim por completo: “Morte por Dahlia”. Se eu tinha qualquer
interesse por conhecer o universo de vampiros de Charlene Harris e de True
Blood, essa história me fez desistir de vez.
Porém, outras
histórias são fantásticas. A que eu mais gostei foi “A dama grita”, de Conn Iggulden. Ela começa com um ritmo meio
estranho, até com um discurso machista por parte do narrador/protagonista que
me deixou meio incomodado, porém o clímax e o desfecho são incríveis,
carregados de intensidade e emoção. Outros destaques são: “A sombra que sangra” (Joe R. Lansdale), que mescla música,
preconceito e demônios; “Coração faminto”
(Simon R. Green); “Sempre a mesma velha
história” (Carrie Vaughn), sobre amor e imortalidade; “Hellbender” (Laurie R. King), sobre intolerância e ódio; e “Sem mistério, sem milagre” (Melinda M.
Snodgrass).
A antologia me
fez ter vontade de conhecer mais da obra de alguns autores que participaram,
como a de Simon R. Green, que ambienta seus romances num submundo londrino onde
criaturas sobrenaturais são a coisa mais normal do mundo, com bruxas, videntes,
demônios e todo o tipo de trambiqueiro. Também me interessei mais por Iggulden
e Glen Cook, ambos com livros lançados aqui no Brasil.
Por outro
lado, de alguns dos autores eu quero manter distância.
Mas enfim, não
é um livro que se possa chamar de excelente; algumas das histórias são falhas
clamorosas, tem a disposição dessas histórias feita de forma equivocada, e
deixa a desejar em mais de um aspecto. Porém, no geral, é um livro bom,
interessante e que vale a leitura. A Fantasy caprichou no projeto gráfico,
produzindo um exemplar muito bonito e bem acabado, um produto que dá gosto de
comprar.
Se você gosta
de mistérios e do sobrenatural, e também quer conhecer material de autores
menos conhecidos no nosso país, Ruas Estranhas uma boa pedida. Confiram!
P.S. (e muito importante): George
RR Martin é só editor desta antologia, e escreveu tão somente o prefácio. Se
você comprar esse livro esperando ler alguma coisa dele, vai se decepcionar.
Não há nada remotamente ligado à Westeros. Você foi avisado!
P.S. 2: Essa é uma resenha minha que foi originalmente publicada no site Nerdvision, mas como o site parece que acabou, resolvi repostar aqui, assim como as outras que lá estão.
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