Mesmo
em um estilo bem distinto da obra que o consagrou definitivamente como ícone
mais tarde, este A Morte da Luz já demonstra toda a capacidade literária de
George. Ele é um escritor muito talentoso, não apenas no que diz respeito à
criatividade em desenvolver tramas envolventes, mas muito mais até em construir
personagens convincentes, reais e que mexam com os sentimentos do leitor.
Personagens humanos, com falhas e defeitos, como também virtudes, além de
dramas e desafios pessoais que poderiam acontecer com qualquer pessoa, em
qualquer tempo e em qualquer lugar. Causando assim identificação e simpatia, ou
justamente o contrário, causando repulsa e raiva. Aí que reside a qualidade de
um grande escritor: conseguir mexer com quem lê seu trabalho. E A Morte da Luz
tem tudo isso.
A
trama do livro se passa em Worlorn, um planeta moribundo, sem órbita e que
caminha lentamente para o frio e a escuridão. É uma época muito distante no
futuro, onde a humanidade se espalhou até os limites da galáxia, colonizando
novos mundos e assim surgindo novas civilizações humanas. No limite da galáxia,
Worlorn passou perto de uma super estrela vermelha, que permitiu o planeta ser
habitável por alguns anos, dessa forma os planetas daquela região se uniram e
usaram Worlorn para um grande festival. Foram anos prósperos e de alegria,
porém a marcha do planeta continuou e ele foi se afastando da grande estrela
vermelha, mergulhando em um desolador crepúsculo, com a noite eterna a caminho.
Então, não tardou em o planeta ser abandonado.
Esse
é o plano de fundo para a perigosa e mortal aventura de Dirk t’Larien, que ao
receber uma jóia sussurrante que supôs que nunca mais veria, acaba parando em
Worlorn, para atender o chamado de sua amada do passado.
Mas
o que ele encontra é um planeta agonizante e uma mulher que já não mais era a
mesma que conhecera tantos anos antes, ligada a um homem de uma cultura
estranha e que muitos chamam de bárbaro e selvagem. A partir disso se desenrola
uma trama tensa, de mentiras e traições, sentimentos e lembranças, honra e
vileza, em um mundo perdido que não conhece leis nem códigos, brutal, onde
quando você não é o caçador acaba sendo a caça, e a morte é uma sombra
constante e ameaçadora.
Nesse
livro Martin cria um universo tão rico e detalhado quanto na sua canção de gelo
e fogo, com história e forma coerentes, povos e culturas originais, e uma
concepção de tecnologia futurista totalmente lúcida e sem exageros. Ou seja, é
como de praxe em suas obras: realismo e coerência antes de tudo.
Como
eu comentei antes, Martin vai além dessa competência criativa, pois se lermos
com olhos cuidadosos conseguiremos extrair o que ele quis dizer com essa
história. O choque de culturas descrito é de certa forma uma metáfora
pertinente sobre o mundo contemporâneo, onde os povos sempre querem impor sua
cultura sobre as demais, as quais consideram erradas sem nem mesmo
compreende-las completamente. Sobre o preconceito. Sobre violência. Sobre o que
é certo e o que é errado. Sobre promessas e decepções. Sobre a forma como as
quais às vezes idealizamos as pessoas como elas não são. Enfim, eu não gosto de
usar a expressão “lição de moral”, até porque não tem nada a ver com isso. Eu
entendo que essas metáforas e paralelos são uma forma inteligente de dar corpo
e solidez a uma história. E nisso, Martin é mestre.
Entre
uma galeria não muito numerosa de personagens, o que eu gostaria mesmo de
destacar é o planeta Worlorn e suas catorze cidades do Festival. Eu achei
simplesmente fantástica a ideia desse planeta, morrendo aos poucos, onde o dia
não passa de um longo crepúsculo, repleto de ruínas de grandes cidades que
teimam em manter alguma vida moribunda. Dentre as cidades, em especial Kryne
Lamiya e sua música niilista desesperadora. Genial!
Por
fim, um livro e tanto, com o selo de qualidade George RR Martin. Muito menor
que seus primos distantes de Westeros, mas que mesmo assim consegue ser tão
profundo e tocante quanto eles. Uma história tensa, envolvente e cheia de
reviravoltas, em um cenário que permanecerá por muito tempo na lembrança dos
leitores.
Publicado originalmente em 1977
com o título “Dying of the Light”.
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