terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A Morte da Luz - George RR Martin




           Em 1977, George RR Martin começava a gravar seu nome no hall de grandes autores de ficção científica e fantasia, com o lançamento de seu primeiro livro, este excelente A Morte da Luz. Anteriormente ele já havia publicado dezenas de histórias curtas e contos em antologias e revistas especializadas no gênero, sendo reconhecido no nicho, mas seu primeiro romance é o que abre as portas para a fama e o sucesso em níveis maiores.

            Mesmo em um estilo bem distinto da obra que o consagrou definitivamente como ícone mais tarde, este A Morte da Luz já demonstra toda a capacidade literária de George. Ele é um escritor muito talentoso, não apenas no que diz respeito à criatividade em desenvolver tramas envolventes, mas muito mais até em construir personagens convincentes, reais e que mexam com os sentimentos do leitor. Personagens humanos, com falhas e defeitos, como também virtudes, além de dramas e desafios pessoais que poderiam acontecer com qualquer pessoa, em qualquer tempo e em qualquer lugar. Causando assim identificação e simpatia, ou justamente o contrário, causando repulsa e raiva. Aí que reside a qualidade de um grande escritor: conseguir mexer com quem lê seu trabalho. E A Morte da Luz tem tudo isso. 

            A trama do livro se passa em Worlorn, um planeta moribundo, sem órbita e que caminha lentamente para o frio e a escuridão. É uma época muito distante no futuro, onde a humanidade se espalhou até os limites da galáxia, colonizando novos mundos e assim surgindo novas civilizações humanas. No limite da galáxia, Worlorn passou perto de uma super estrela vermelha, que permitiu o planeta ser habitável por alguns anos, dessa forma os planetas daquela região se uniram e usaram Worlorn para um grande festival. Foram anos prósperos e de alegria, porém a marcha do planeta continuou e ele foi se afastando da grande estrela vermelha, mergulhando em um desolador crepúsculo, com a noite eterna a caminho. Então, não tardou em o planeta ser abandonado. 

            Esse é o plano de fundo para a perigosa e mortal aventura de Dirk t’Larien, que ao receber uma jóia sussurrante que supôs que nunca mais veria, acaba parando em Worlorn, para atender o chamado de sua amada do passado. 

            Mas o que ele encontra é um planeta agonizante e uma mulher que já não mais era a mesma que conhecera tantos anos antes, ligada a um homem de uma cultura estranha e que muitos chamam de bárbaro e selvagem. A partir disso se desenrola uma trama tensa, de mentiras e traições, sentimentos e lembranças, honra e vileza, em um mundo perdido que não conhece leis nem códigos, brutal, onde quando você não é o caçador acaba sendo a caça, e a morte é uma sombra constante e ameaçadora. 

            Nesse livro Martin cria um universo tão rico e detalhado quanto na sua canção de gelo e fogo, com história e forma coerentes, povos e culturas originais, e uma concepção de tecnologia futurista totalmente lúcida e sem exageros. Ou seja, é como de praxe em suas obras: realismo e coerência antes de tudo. 

            Como eu comentei antes, Martin vai além dessa competência criativa, pois se lermos com olhos cuidadosos conseguiremos extrair o que ele quis dizer com essa história. O choque de culturas descrito é de certa forma uma metáfora pertinente sobre o mundo contemporâneo, onde os povos sempre querem impor sua cultura sobre as demais, as quais consideram erradas sem nem mesmo compreende-las completamente. Sobre o preconceito. Sobre violência. Sobre o que é certo e o que é errado. Sobre promessas e decepções. Sobre a forma como as quais às vezes idealizamos as pessoas como elas não são. Enfim, eu não gosto de usar a expressão “lição de moral”, até porque não tem nada a ver com isso. Eu entendo que essas metáforas e paralelos são uma forma inteligente de dar corpo e solidez a uma história. E nisso, Martin é mestre. 

            Entre uma galeria não muito numerosa de personagens, o que eu gostaria mesmo de destacar é o planeta Worlorn e suas catorze cidades do Festival. Eu achei simplesmente fantástica a ideia desse planeta, morrendo aos poucos, onde o dia não passa de um longo crepúsculo, repleto de ruínas de grandes cidades que teimam em manter alguma vida moribunda. Dentre as cidades, em especial Kryne Lamiya e sua música niilista desesperadora. Genial! 

            Por fim, um livro e tanto, com o selo de qualidade George RR Martin. Muito menor que seus primos distantes de Westeros, mas que mesmo assim consegue ser tão profundo e tocante quanto eles. Uma história tensa, envolvente e cheia de reviravoltas, em um cenário que permanecerá por muito tempo na lembrança dos leitores.



Publicado originalmente em 1977 com o título “Dying of the Light”.

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