Eu
fico extremamente nervoso quando leio as seguintes palavras: “George RR Martin perdeu o interesse em As
Crônicas de Gelo e Fogo.”
Mas
muito nervoso mesmo. Isso só evidencia algo de que eu tenho certeza faz muito
tempo, algo que denota a preguiça intelectual de muita gente. As pessoas têm
visão curta. Curtíssima, parecem que não conseguem enxergar um palmo a sua
frente o ou um pouco mais a fundo do que o parágrafo de um livro ou uma cena de
uma série de tv. Enxergam apenas a superfície, a casca e a embalagem, mas
poucas vezes reconhecem a proposta e o valor do que está realmente dentro,
escondido no fundo de várias camadas.
As
Crônicas de Gelo e Fogo é uma obra que transcende a fantasia, é drama na sua
forma sua mais genuína: é conflito. Conflito entre pessoas, entre interesses,
sentimentos, e o mais importante de tudo, é o coração humano em conflito
consigo mesmo, parafraseando William Faulkner. E não existe exemplo melhor
disso o que os dois últimos livros, que muita gente considera chatos. Eu não vou
me alongar nisso, afinal não é a proposta desse texto, então recomendo a
leitura dos ensaios desse site https://meereeneseblot.wordpress.com/essays/
onde o autor disseca os principais arcos de Festim/Dança de forma
surpreendente, fazendo com que até mesmo eu, que já tinha adorado esse estágio
da saga, tenha uma visão completamente nova e revigorada da história.
Algum
tempo atrás eu escrevi um texto a respeito do conto The Princess and the Queen,
e comentei que ele era prova o suficiente para mim de que o George continua sim
muito interessado na sua obra. E agora, algum tempo após terminar de ler O
Mundo de Gelo e Fogo e muito meditar, não me restam mais quaisquer dúvidas.
George RR Martin continua se entregando de corpo e alma a essa história.
Com
a ajuda dos seus fiéis escudeiros, Linda e Elio do westeros.org (o melhor site relacionado a saga, recomendo demais), George criou
uma das obras complementares mais fantásticas que eu já vi. Sinceramente. Eu
corro o perigo de soar apenas como um fanboy que surta com qualquer coisa do
seu universo favorito (e talvez eu seja isso mesmo), mas a questão é que esse
livro não é qualquer coisa.
Antes
de continuar é preciso dizer que existem algumas falhas aqui e ali,
incoerências e inconsistências, além de alguns problemas de tradução na versão
brasileira, mas absolutamente nada que comprometa o valor e relevância da obra.
De certa forma, poderia ser usado o argumento de que a culpa é das informações
desencontradas nos registros do meistre que escreveu o livro (não é um
argumento de verdade, mas fica a gracinha).
O
trabalho dos ilustradores é nada menos que sublime. Dezenas de artistas
talentosos que encheram o livro com imagens maravilhosas e encantadoras,
realmente de ficar de boca aberta.
A
quantidade de informação é surreal. De todos os lados e direções (inclusive com
pequenos fragmentos de informações despretensiosas mas intrigantes, que alguém
poderia associar com eventos do passado da história, do presente e talvez até
mesmo do futuro). Em especial na história das grandes casas e dos reinos, das
cidades livres e das terras ao leste e, o que pessoalmente me chamou mais a
atenção e me deixou fascinado, um relato aprofundado da dinastia Targaryen,
desde Aegon o Conquistador até o Rei Louco Aerys e a Rebelião de Robert. Simplesmente
fantástico. Uma quantidade absurda informações que poderia ser ainda maior se
não tivessem que cortar partes para evitar que o livro ficasse grande demais.
Agora
você aí que numa dessas estiver lendo isso me responda: alguém que precisa editar
material que escreveu porque ficou grande demais é alguém que perdeu interesse?
Alguém desmotivado e que escreve por obrigação?
No
texto que eu falei ontem sobre The Princess and the Queen, eu também tinha
comentado sobre como essas outras histórias ampliam ainda mais o universo, como
elas o tornam ainda mais colorido, palpável e fascinante. E agora com O Mundo
de Gelo e Fogo esse universo se eleva a toda uma nova categoria de realismo que
se funde com a fantasia e misticismo, cheio de vida e vigor, encantador e
assustador.
Então
é o seguinte: não me venham com esse papo furado de perda de interesse. As
provas de que isso é bobagem estão aí pra quem quiser apertar um tantinho os
olhos e olhar além do próprio umbigo.
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