Não
foi muito longo o tempo que Mad Men fez parte da minha vida. Pra ser exato,
menos de um ano. Revirando minha timeline do facebook lembro que vi o piloto da
série em 22 de junho de 2014, uma entediante e chuvosa noite de sexta feira. Não
me recordo muito bem qual foi o motivo que me fez começar a serie naquele
momento, talvez mais um dos incontáveis elogios que já havia lido no twitter ou
em site de séries. Mas isso não importa, o que realmente importa é a poderosa
experiência que as sete temporadas dessa série me proporcionou.
Mas
eu preciso admitir que ela não me ganhou logo de cara. Terminei o primeiro
episódio com uma sensação estranha, difícil de explicar. Aquilo tudo parecia um
tanto hermético, distante, denso. E a sensação continuou por mais dois ou três
episódios, num passo lento e arrastado. Não que eu estivesse pensando em
desistir, mas até ali não entendia muito bem todo o hype em cima da produção.
Só que de repente, sem eu nem me dar conta, ela me fisgou e me conquistou de
uma vez só, com todos os elementos que eu até ali não entendia se revelando em
pura genialidade. As ações e os diálogos, as reuniões de negócios, os cochilos
e escapadas, tudo ganhou um novo senso, novas cores e um entendimento de como
essa complexa rede de relacionamentos entre os personagens funcionava de forma
tão natural e orgânica.
Em
momento nenhum Mad Men foi uma série grandes reviravoltas, acontecimentos
bombásticos e momentos chocantes ou polêmicos. Se você for ver, foram sete
temporadas onde nós basicamente acompanhávamos uma rotina, pontuada aqui e ali
por alguns acontecimentos mais tensos, duros e amargos, além de outras pequenas
coisas absurdas e surreais que endossaram seu pacato realismo. Seja a rotina de
autodestruição de Don Draper, com muito álcool, mulheres e fantasmas o
assombrando o tempo todo, ou a rotina da agência de publicidade e seus
funcionários. Paixões, ambições, medos, a busca pelo o que você realmente quer
da sua vida, mas que você talvez nem sequer saiba o que é. Pela paz, e pelo
auto conhecimento. Uma grande jornada através da morosidade do cotidiano, as
jornadas de Don, Peggy, Joan, Roger, Peter, Stan, Ken e tantos, tantos, outros.
Cada um deles com seus objetivos, com suas lutas, com a sua parcela de
humanidade que reflete em cada um de nós que acompanhamos suas histórias.
Histórias fantásticas extraídas de onde não parece haver nada demais, como se
num conto de Tchekhov.
Don
foi a espinha nervosa desde o começo, as coisas tendiam a girar redor dele. Mas
de forma nenhum ele é sozinho a estrela. Os demais personagens o orbitavam, e
grandes momentos saíram disso. A relação estranha e fascinante de Peggy e Don
me deixa perplexo e muitas vezes com um sorriso bobo no rosto (The Suitcase s2), a cumplicidade dele também com Joan, sem que em qualquer momento
houvesse qualquer indício de tensão sexual. O humor debochado de Roger, as
rusgas com Peter e sua arrogância, Cooper e sua sabedoria e todos os outros que
de uma maneira ou outra cruzaram o caminho de Don Draper. Mas, mesmo distantes
de Don, eles se tornaram grandes e profundos, tridimensionais, com suas
jornadas sendo tão importantes quanto a dele.
Mesmo
assim, não há como negar que o rosto de Mad Men foi Don e a interpretação
impecável de Jon Hamm. Tão intensa, humana e angustiante, que em muitas vezes
(muito mais do que eu gostaria de admitir) eu me vi representado nos momentos
mais obscuros dele. O mérito de um personagem tão poderoso.
Poucas
vezes uma série foi tão cuidadosa em sua aclimatação de época, reproduzindo com
absoluta fidelidade os aspectos visuais, culturais, sociais, históricos e
políticos de um período da história. Mad Men soube usar com maestria as tensões
políticas e sociais dos anos 60, auge da Guerra Fria, da crise dos mísseis
cubanos, eleições, assassinato de Kennedy, protestos por direitos civis para
pessoas negras, as ainda vivas e sangrentas marcas da Segunda Guerra Mundial e
da Coréia e toda a polêmica da Guerra do Vietnã, e por aí vai. Encaixando esses
eventos nas vidas e rotinas dos personagens, que expressaram suas opiniões,
fizeram piadas, tiverem medo e apreensão. Da mesma forma como nós, no mundo de
hoje, observamos as coisas que acontecem por aí e fazemos essas mesmas coisas.
Da
mesma forma, música, televisão, cinema e literatura da época foram parte desse
rico e esmerado painel. A bebida e o cigarro também, até o mais amargo fim. E a propaganda, claro. O mote central da divulgação e
conceito da série, mas que na verdade, não era nem de longe o tema principal.
Uma
tremenda experiência de imersão. Nós entramos na cabeça daquelas pessoas, conceituando
seu tempo e suas experiências. Seus preceitos e preconceitos, idéias boas e
erradas, a ferocidade capitalista da propaganda tentando vender idéias
infinitamente mais do que produtos. Uma era marcante, a do sonho americano, em
toda a sua glória dourada e em todos os seus podres intelectuais, sociais e
políticos.
Nesse
aspecto, eu acredito ser justo afirmar que Mad Men foi uma série
intrinsecamente feminista. Pode soar absurdo isso, já que ao longo dos anos se
explorou tanto o machismo da sociedade americana da época e principalmente o
que fervilha do meio da propaganda. Mas se olharmos com cuidado, as trajetórias
de Peggy e Joan mostram a luta que as mulheres travaram para conquistar o seu
espaço, seu respeito e sua independência, na sociedade e no mercado de trabalho.
Os acontecimentos, os diálogos, as epifanias e as decepções, as grossas paredes
que se erguiam diante delas e elas incessantemente as escalavam. Eu
pessoalmente considero tudo isso um importante fator da luta feminista que a
série projetou, mesmo que sem indo pelo caminho (também válido e importante,
obviamente) da militância aberta.
Enfim,
eu acho que acabaria me tornando verborrágico se indo adiante em listar razões
para essa série ter sido tão fantástica. Talvez os prêmios, os louvores e toda
a paixão que a série causou desde 2007 já sejam motivos o suficiente para
colocá-la no panteão das melhores produções de todos os tempos na televisão.
Obrigado
Matthew Weiner, obrigado Mad Men. Mesmo que curta para mim, foi uma viagem e
tanto.
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