quarta-feira, 27 de maio de 2015

Obrigado Mad Men



       
           Não foi muito longo o tempo que Mad Men fez parte da minha vida. Pra ser exato, menos de um ano. Revirando minha timeline do facebook lembro que vi o piloto da série em 22 de junho de 2014, uma entediante e chuvosa noite de sexta feira. Não me recordo muito bem qual foi o motivo que me fez começar a serie naquele momento, talvez mais um dos incontáveis elogios que já havia lido no twitter ou em site de séries. Mas isso não importa, o que realmente importa é a poderosa experiência que as sete temporadas dessa série me proporcionou. 



            Mas eu preciso admitir que ela não me ganhou logo de cara. Terminei o primeiro episódio com uma sensação estranha, difícil de explicar. Aquilo tudo parecia um tanto hermético, distante, denso. E a sensação continuou por mais dois ou três episódios, num passo lento e arrastado. Não que eu estivesse pensando em desistir, mas até ali não entendia muito bem todo o hype em cima da produção. Só que de repente, sem eu nem me dar conta, ela me fisgou e me conquistou de uma vez só, com todos os elementos que eu até ali não entendia se revelando em pura genialidade. As ações e os diálogos, as reuniões de negócios, os cochilos e escapadas, tudo ganhou um novo senso, novas cores e um entendimento de como essa complexa rede de relacionamentos entre os personagens funcionava de forma tão natural e orgânica. 

            Em momento nenhum Mad Men foi uma série grandes reviravoltas, acontecimentos bombásticos e momentos chocantes ou polêmicos. Se você for ver, foram sete temporadas onde nós basicamente acompanhávamos uma rotina, pontuada aqui e ali por alguns acontecimentos mais tensos, duros e amargos, além de outras pequenas coisas absurdas e surreais que endossaram seu pacato realismo. Seja a rotina de autodestruição de Don Draper, com muito álcool, mulheres e fantasmas o assombrando o tempo todo, ou a rotina da agência de publicidade e seus funcionários. Paixões, ambições, medos, a busca pelo o que você realmente quer da sua vida, mas que você talvez nem sequer saiba o que é. Pela paz, e pelo auto conhecimento. Uma grande jornada através da morosidade do cotidiano, as jornadas de Don, Peggy, Joan, Roger, Peter, Stan, Ken e tantos, tantos, outros. Cada um deles com seus objetivos, com suas lutas, com a sua parcela de humanidade que reflete em cada um de nós que acompanhamos suas histórias. Histórias fantásticas extraídas de onde não parece haver nada demais, como se num conto de Tchekhov

            Don foi a espinha nervosa desde o começo, as coisas tendiam a girar redor dele. Mas de forma nenhum ele é sozinho a estrela. Os demais personagens o orbitavam, e grandes momentos saíram disso. A relação estranha e fascinante de Peggy e Don me deixa perplexo e muitas vezes com um sorriso bobo no rosto (The Suitcase s2), a cumplicidade dele também com Joan, sem que em qualquer momento houvesse qualquer indício de tensão sexual. O humor debochado de Roger, as rusgas com Peter e sua arrogância, Cooper e sua sabedoria e todos os outros que de uma maneira ou outra cruzaram o caminho de Don Draper. Mas, mesmo distantes de Don, eles se tornaram grandes e profundos, tridimensionais, com suas jornadas sendo tão importantes quanto a dele. 

            Mesmo assim, não há como negar que o rosto de Mad Men foi Don e a interpretação impecável de Jon Hamm. Tão intensa, humana e angustiante, que em muitas vezes (muito mais do que eu gostaria de admitir) eu me vi representado nos momentos mais obscuros dele. O mérito de um personagem tão poderoso. 

            Poucas vezes uma série foi tão cuidadosa em sua aclimatação de época, reproduzindo com absoluta fidelidade os aspectos visuais, culturais, sociais, históricos e políticos de um período da história. Mad Men soube usar com maestria as tensões políticas e sociais dos anos 60, auge da Guerra Fria, da crise dos mísseis cubanos, eleições, assassinato de Kennedy, protestos por direitos civis para pessoas negras, as ainda vivas e sangrentas marcas da Segunda Guerra Mundial e da Coréia e toda a polêmica da Guerra do Vietnã, e por aí vai. Encaixando esses eventos nas vidas e rotinas dos personagens, que expressaram suas opiniões, fizeram piadas, tiverem medo e apreensão. Da mesma forma como nós, no mundo de hoje, observamos as coisas que acontecem por aí e fazemos essas mesmas coisas. 

            Da mesma forma, música, televisão, cinema e literatura da época foram parte desse rico e esmerado painel. A bebida e o cigarro também, até o mais amargo fim. E a propaganda, claro. O mote central da divulgação e conceito da série, mas que na verdade, não era nem de longe o tema principal. 

            Uma tremenda experiência de imersão. Nós entramos na cabeça daquelas pessoas, conceituando seu tempo e suas experiências. Seus preceitos e preconceitos, idéias boas e erradas, a ferocidade capitalista da propaganda tentando vender idéias infinitamente mais do que produtos. Uma era marcante, a do sonho americano, em toda a sua glória dourada e em todos os seus podres intelectuais, sociais e políticos. 

            Nesse aspecto, eu acredito ser justo afirmar que Mad Men foi uma série intrinsecamente feminista. Pode soar absurdo isso, já que ao longo dos anos se explorou tanto o machismo da sociedade americana da época e principalmente o que fervilha do meio da propaganda. Mas se olharmos com cuidado, as trajetórias de Peggy e Joan mostram a luta que as mulheres travaram para conquistar o seu espaço, seu respeito e sua independência, na sociedade e no mercado de trabalho. Os acontecimentos, os diálogos, as epifanias e as decepções, as grossas paredes que se erguiam diante delas e elas incessantemente as escalavam. Eu pessoalmente considero tudo isso um importante fator da luta feminista que a série projetou, mesmo que sem indo pelo caminho (também válido e importante, obviamente) da militância aberta. 

            Enfim, eu acho que acabaria me tornando verborrágico se indo adiante em listar razões para essa série ter sido tão fantástica. Talvez os prêmios, os louvores e toda a paixão que a série causou desde 2007 já sejam motivos o suficiente para colocá-la no panteão das melhores produções de todos os tempos na televisão. 

            Obrigado Matthew Weiner, obrigado Mad Men. Mesmo que curta para mim, foi uma viagem e tanto.

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