Mas
eu acho que posso me considerar um sujeito de sorte, porque a minha banda
favorita é o Blind Guardian.
Estou
eu aqui com uma página (quase) em branco na minha frente, com toda a lucidez do
mundo, disposto a falar sobre este novo disco da minha banda favorita. Serei
tendencioso? Serei indulgente e colocarei em um altar sagrado o que talvez não
seja tudo isso? Bom, não sei. Isso vai depender de você que numa dessas estiver
lendo essas linhas.
Mas
enfim, vamos lá.
Praticamente
quatro anos e meio de espera. Tem bandas que eu gosto que ficaram esse mesmo
tempo sem lançar nada novo e isso pouco me importou. Mas o Blind Guardian é uma
história diferente. Quando se trata daquela banda que ocupa muito do seu
pensamento, do seu tempo e que é tecnicamente uma obsessão, quatro anos e meio
se tornam uma eternidade angustiante, permeada por um silêncio capaz de te
deixar completamente maluco.
Mas
ah, meu amigo, valeu a pena. Como valeu.
Com
o Blind Guardian sempre vale a pena cada segundo de espera. Esses camaradas de
meia idade chegaram a um ponto de evolução musical onde transcenderam o simples
lance do “yeaaaaaaaaah metal \m/” e alcançaram um patamar completamente novo e
próprio, livrando-se das amarras e das imposições que o gênero acabou
desenvolvendo ao longo dos anos. Os fãs que acompanham a banda desde o começo
podem torcer o nariz, reclamar da produção, querer mais solos e menos pompa,
podem querer que a banda torne-se um clone genérico de si mesma. E eu adoro
muito como a banda frustra completamente essas expectativas. E eu digo isso por
muito mais que apenas pela inserção de orquestra ou elementos progressivos, mas
sim pela inquietude, pela vontade de explorar coisas novas, de se reinventar a
todo o momento e deixar os fãs sem nunca saber pelo que esperar no próximo
disco. O comodismo passa longe.
Segue
abaixo uma resposta do André, no AMA de Reddit que ele e o Hansi fizeram, a
respeito da cena heavy metal atual, que representa muito bem isso que eu falei
até agora. (clique para ampliar)
Logo
de cara, Beyond the Red Mirror começa provando essa tese toda. A introdução com
um coral imenso de The Ninth Wave já é impressionante por si mesma, mas fica
ainda mais impactante quando acaba e a música engrena uma camada de sons
eletrônicos e efeitos sonoros que parecem saídos de um filme de ficção
científica. Eu nunca imaginei o Blind Guardian fazendo isso. Foi algo
completamente inesperado, que saltou na minha cara e me deixou sem palavras.
Foi fantástico!
E
o resto da música é incrível também. Rica e cheia de camadas, que a cada nova
audição te revela mais um segredo, algo novo e empolgante, cheia de complexidade,
e com uma essência progressiva de dar inveja pra muitas bandas do gênero por
aí. Por tudo isso e pelo refrão fácil e grudento, vai ser uma abertura
fantástica para a próxima turnê.
Depois da
estonteante abertura, vêm o single botando o pé na porta e com vontade. Twilight
of the Gods saiu em dezembro e nem de longe era o prenúncio do que viria no
disco, mas de qualquer forma é uma faixa que me empolgou muito e continua a me
empolgar. Não é exatamente o que se possa chamar de cheia de originalidade, mind
blowing e adjacências, mas mesmo assim, sem fugir tanto daquele estilo mais
clássico de metal melódico (apesar da roupagem e produções bem diferentes do
que se fazia nos anos 90), mostra um Blind Guardian em constante renovação e
sempre buscando um ar fresco em suas composições.
Prophecies é
decididamente a minha música favorita nesse disco. Não tem a complexidade e a
enxurrada de elementos de The Ninth Wave ou Grand Parade, não é tão rápida e
pesada como The Holy Grail. É algo estranho, algo de mágico que me atrai tanto.
Tem uma estrutura quase imprevisível, que te joga de um lado para outro, te
engana e te surpreende. Com um refrão tão diferente, simples e complexo ao
mesmo tempo, que é contagiante. E ainda tem a rápida introdução numa vibe
folk-rock-anos-sessenta sensacional. A atuação do Hansi é incrível,
principalmente NAQUELE FINAL SENSACIONAL.
Meus amigos
que preciosidade que é At the Edge of Time. Se o famigerado Projeto Orquestral™
for nessa mesma direção, eu já tenho a plena certeza de que vou amar cada
segundo. Existe alquimia mais que perfeita entre heavy metal e música clássica,
onde cada parte tem o seu lugar, o seu momento, sem se sobrepor ou um lado
tirar o destaque do outro. Talvez eu esteja falando uma tremenda bobagem, mas
eu sinto que muito da parte clássica dessa música tem influência de Bach,
principalmente nas flautas e nos instrumentos de cordas, que me fazem pensar no
Concerto de Brandemburgo
Nº. 4. Uma das provas de que essa banda já é muito mais do que simplesmente
metal, ou sinfônico ou progressivo, é um ponto onde a originalidade e a
identidade se tornou exclusivamente do Blind Guardian. Honestamente nunca tinha
ouvido nada parecido.
Eu acho
simplesmente fantástico o começo de Ashes of Eternity. Me parece como uma
espécie de gingado, um swing maroto, como se uma batida tribal africana tivesse
sido traduzida para heavy metal (ok eu fui meio longe demais nessa, mas acho
que deu pra entender a mensagem espiritual da coisa). Também adoro a estrutura
traiçoeira, que flerta abertamente com o thrash e tem mais uma vez Hansi sendo
um tremendo destaque com linhas vocais impecáveis, em uma letra
inteligentemente construída pelo próprio.
Em algumas das
versões do disco, entre Ashes of Eternity e The Holy Grail temos a bônus
Distante Memories. Uma quase-balada pomposa e cheia de feeling, onde a banda
basicamente diz “a gente curte Queen pra caralho!”. Aproveito o ensejo para
falar da outra faixa bônus, Doom, uma música com uma vibe bem diferente, algo
de metal mais clássico e bastante sombrio. Um fechamento bastante legal pra
versão que conta com ela.
Sobre essas
bônus é interessante notar que mesmo sendo claramente “menos” trabalhadas (não
em um mau sentido), ainda são músicas de altíssima qualidade, o que mostra todo
o empenho da banda em entregar um material muito acima da média.
Agora temos a
pedrada do disco. Uma música que muitíssimo bem poderia ter saído do
Imaginations From the Other Side. The Holy Grail é definitivamente uma amostra
de que a banda pode muito bem se aventurar musicalmente e ainda assim continuar
fazendo músicas que honrem a herança dos primeiros discos. E o melhor de tudo:
honrar essa herança sem ser uma cópia genérica de si mesma.
Ainda quanto a
The Holy Grail, eu me sinto na obrigação de destacar a letra e como ela foi
concebida. O Hansi é com certeza um dos melhores letristas do metal, e nesse
caso ele criou uma letra que se fundiu com a melodia e o peso de uma forma surreal.
Eu DEMANDO que toquem essa nos shows.
Muito bem,
chegou o momento desse texto onde eu fico perdido. Eu não tenho a menor idéia
de como começar a falar sobre The Throne. Sério mesmo, eu fico sem palavras com
esse monstro orquestral. Eu andei lendo pela internet várias pessoas comparando
essa música com And Then There Was Silence, o que eu acho bastante justo,
apesar de não 100% correto. The Throne é tão épica quanto (e com metade do
tempo), mas são duas músicas de abordagens bastante diferentes e grandiosas em
suas próprias maneiras. Aqui temos uma música super sólida e coesa, que logo de
cara começa nas alturas, mais uma vez mostrando a mistura impecável de heavy
metal com música clássica, em um turbilhão intenso, que pega o ouvinte e o leva
em uma aventura musical difícil de ser igualada. Um refrão simples, mas
incrivelmente poderoso (estou abusando dos adjetivos, mas eu me importo? R:
não, não me importo), daqueles que você acompanha até ficar sem fôlego. Encho a
boca sem nenhum medo: uma verdadeira obra-prima.
Sacred Mind. Ok,
talvez seja o ponto baixo do disco. Só que em um disco tão bom, mesmo o ponto
baixo é um produto de altíssima qualidade. Em um update de outubro de 2013, o
Hansi comentou sobre uma música que tinha uma introdução épica e triste, mas
que depois se tornava uma montanha russa de velocidade e peso. Tenho certeza
absoluta de que se tratava de Sacred Mind, porque ela é justamente isso. O que
me incomoda nela é que no seu zênite fica faltando alguma coisa, como se
houvesse um espacinho vazio que não tem como ignorar. Uma palavra ou duas no
refrão? Um solo de guitarra? De bateria? Mais um pedaço brilhante de orquestra?
Não sei, sinceramente não sei. Mas de qualquer forma ainda é uma canção muito
boa e que tem potencial pra entrar nos sets da turnê e nem de longe compromete
o disco como um todo.
É meio que um
consenso entre todo mundo que tem algum mínimo conhecimento sobre música que o
Queen foi uma das maiores e melhores banda de todos os tempos. Uma banda que
transcendia o rock e mergulhava de cabeça no oceano de possibilidades do mundo
musical e que influenciou milhares de jovens músicos ao redor do mundo. Com o
Blind Guardian não seria diferente (e A Night at Opera é uma homenagem que faz
jus ao seu homônimo). Em Beyond the Red Mirror inteiro se vêem pequenas
referências e homenagens a eles, mas nada tão latente como em Miracle Machine. Uma
balada singela e tocante apenas de voz, piano e alguns discretos instrumentos
de corda. Quase como se fosse um recado dizendo “Essa é pra você Freddie”. E eu
aposto que ele estaria sorrindo, onde quer que ele esteja depois dessa vida.
Ah, a cereja
deste bolo. O André não estava exagerando quando disse que Grand Parade era a
melhor composição da história da banda. Uma faixa nada menos que espetacular em
todos os sentidos possíveis. É uma equação simples de se compreender: pegue o
espírito e a atmosfera melancólica de Nighfall in Middle-Earth, adicione a
grandiloqüência despudorada de A Night at Opera mais a finesse erudita de At
the Edge of Time e você tem Grand Parade. O supra sumo da magia clássica com o
peso e a velocidade do metal melódico, camadas e mais camadas tecidas com
maestria, de se desdobram e se abrem em um boom emocionante. Uma epifania
musical, que faz a sua alma transcender, abrir um sorriso sincero de alegria.
Beyond the Red
Mirror não é um disco fácil. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, tem
muitas camadas e reentrâncias, detalhes que só se revelam depois de uma dúzia
de audição e uma imersão completa. É um disco ao qual você precisa se entregar;
usar bons fones de ouvido, fechar os olhos e se deixar levar. É uma verdadeira
experiência sensorial cuidadosamente construída em todos os seus aspectos. Demanda
muita determinação e vontade, mas que recompensa com muita generosidade quem
coloca empenho nessa empreitada.
Eu gosto de
dizer que se trata também de um excepcional trabalho de metalinguagem. Seja
musicalmente ou liricamente. Por causa da história que se seguiu a partir de
Bright Eyes e And The Story Ends do Imaginations from the Other Side, pelos
pequenos pedaços das letras que remetem ao que a banda já tratou no passado
(mais uma vez: sem ser uma cópia genérica de si mesma), passagens
instrumentais, a própria figura do espelho que é uma constante na trajetória da
banda. Soa como se toda a discografia da banda fosse uma entidade una conectada
por esse disco, como se as pontas soltas tivessem sido amarradas e um grande
cenário maior tivesse se revelado.
Lá em 2010, eu
tinha descrito o At the Edge of Time como o Blind Guardian tocando Blind
Guardian. Comentei que a banda chegara a um momento de tanta identidade, que a
sua música só poderia ser rotulada como Blind Guardian. Quatro anos e meio
depois estou aqui com essa impressão mais reforçada do que nunca.
É Power Metal?
É Metal Progressivo? É Metal Sinfônico? No final das contas, nada disso importa,
afinal são apenas rótulos, e rótulos sempre serão agentes limitadores,
criadores de barreiras, os fundamentos de dogmas sagrados que as mentes
fechadas jamais ousarão questionar. Não, o Blind Guardian não é nada disso.
Uma das coisas
mais legais da fantasia contemporânea é a saga chamada Malazan – Book of the
Fallen, do escritor e historiador canadense Steven Erikson. Uma imensa e
intricada história composta por 10 livros que se entrecruzam não de forma 100%
linear, com centenas e centenas de personagens espalhados por um sem fim de
terras e nações, com muito sangue, magia e guerra. No prefácio do primeiro
livro, Gardens of the Moon, o autor comenta que depois de ter uma idéia de
seriado recusada por um produtor, que a achou complexa e ousada demais e tê-lo
aconselhado a investir em algo mais simples, ele decidiu tomar como regra em
sua vida ser ambicioso e ousado em qualquer coisa que ele fosse fazer. O
conselho que ele mesmo dá aos seus leitores é ter bolas de criar arte da forma
como bem entenderem, por mais complexa e audaciosa que seja, sem ter medo de
julgamentos e sem chorar por aceitação.
Acho que não
preciso me alongar e me repetir, não? O Blind Guardian pura e simplesmente se desafia
a cada novo disco, e sempre consegue se superar.
Então, acho
que chamar esse texto de resenha seria errado. Eu sou um fã, um fã que gosta
demais dessa banda para ser considerado completamente racional para dar uma
opinião “embasada” musicalmente. Mas enfim, dane-se. Para mim, esse texto significa algo muito
mais importante do que uma análise, ou uma pagação de pau descarada. É um
agradecimento.
Obrigado Blind
Guardian. Meus mais sinceros e mais genuínos agradecimentos. Por ter feito
esses quatro anos e meio valerem tanto a pena. Por ter feito aquele show
memorável em setembro de 2011 que foi honestamente o melhor momento da minha
vida inteira. Por ser essa parte tão importante da minha vida, que eu já
baguncei tanto por causa dos meus problemas, o meu refúgio e os melhores amigos
que eu poderia ter. Obrigado, de coração :)
E o que o
futuro nos reserva? Bom, eu não sei. Apenas posso dizer que desde já estou
muito ansioso.
4 comentários:
Excelente texto, fico acradecido por poder compartilhar conosco do Blind Guardian Brasil, e ficamos felizes de poder compartilhar um texto tão bonito sobre nossa banda favorita.
Hey, cara, adorei seu agradecimento-resenha.
Esse álbum me tocou desde o primeiro momento quando comecei a escuta-lo, com a incrível Ninth Wave, quando chegou aquele refrão não posso negar que me emocionei.
Realmente é o álbum que mais gostei deles.
Cara, não sei nem como expressar minha admiração instantânea por você quando eu acabei de ler esse texto. Acho que todos os fãs de Blind Guardian do mundo deveriam ler. Foi o melhor texto sobre um álbum da banda que já li em toda minha vida. Parabéns!!! Você conseguiu expressar praticamente tudo o que eu sinto por essa obra prima que é o Beyond The Red Mirror. Você tem muito talento cara. Mais uma vez... Parabéns!!!
Muito obrigado pelos comentários, fico feliz que tenham gostado :)
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